A relevância para o legislador dos contratos de exploração de imóveis

Concorde-se ou não com este regime, e sem prejuízo das usuais questões que se colocam ao intérprete, a verdade é que o mesmo é genericamente apreensível, não se colocando dúvidas de maior quanto às matérias que visa regular. Contudo, não é menos verdade que nele se contém uma expressão que tem levantado dúvidas significativas e que o legislador acabou por não esclarecer com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2020. Referimo-nos à expressão constante do n.º 2 do art.º 1.º (Disposições gerais), em que se prevê a aplicação da lei em causa, com as necessárias adaptações, “a outras formas contratuais de exploração de imóveis”. Sendo consensual que o diploma se aplica a outras formas de exploração de imóveis destinados a fins não habitacionais, como sejam a locação de estabelecimento, os contratos de utilização de loja em centro comercial e outros contratos atípicos de exploração de imóveis para o mencionado fim (não habitacional), a dúvida surge quanto à eventual aplicação a outras formas de exploração de imóveis para fim habitacional. Será defensável então a aplicação deste regime especial a outras situações, como o direito real de habitação duradoura (DHD), recentemente criado pelo DL n.º 1/2020, de 09/01, o alojamento local, o direito real de habitação periódica, entre outras, ou, de facto, o legislador quis privilegiar o contrato de arrendamento para habitação? Muito se tem falado (pouco ou nada escrito), a propósito desta problemática, não se podendo afastar, leituras nesse sentido. Todavia, se atentarmos à estrutura do diploma, podemos identificar indicadores que se revelam fundamentais na interpretação que, porventura, se revela mais adequada. Com efeito, no capítulo II, dedicado ao arrendamento habitacional, que alcança a sua verdadeira dimensão quando coadjuvado pela Portaria n.º 91/2020, de 14/04 e Regulamento do Programa de Apoio Excecional ao Arrendamento habitacional, aprovado pelo IHRU, não descortinamos qualquer menção a outra forma de exploração de imóveis que não seja o arrendamento habitacional. Em bom rigor, parece resultar quer da Portaria, quer do Regulamento, que apenas o arrendamento habitacional será objeto do regime especial, encontrando-se expressamente previstas as “figuras” que poderão beneficiar do mesmo: i) arrendatário de habitação, que constitua a sua residência permanente; ii) estudante com contrato de arrendamento para habitação situada a uma distância superior a 50 km da residência permanente do seu agregado familiar, para frequência de estabelecimento de ensino; iii) fiador de arrendatário habitacional que seja estudante e não aufira rendimentos do trabalho; e, iv) senhorio de arrendatários habitacionais, quando a quebra no rendimento mensal dos membros do seu agregado familiar decorra do não pagamento de rendas pelos seus arrendatários ao abrigo do regime excecional. A expressão que tem levantado as identificadas dúvidas, repete-se no art.º 10.º, no âmbito do capítulo III, dedicado ao arrendamento não habitacional, com redação ligeiramente distinta, referindo-se “outras formas de exploração de imóveis para fins comercias”. Será aqui que encontra o seu verdadeiro alcance? Parece que sim. Tudo indica que o legislador, ao utilizar tal expressão, o fez somente com o intuito de possibilitar a aplicação do regime excecional a outras figuras de exploração de imóveis para fins não habitacionais. Confirma-se, na verdade, que a urgência é inimiga da exatidão, quando se referem “fins comerciais”, pois que, salvo melhor opinião, estes devem ser entendidos como “fins não habitacionais”, em razão da coerência do regime, não podendo excluir-se do conceito outros contratos, desde que não habitacionais, tendo o legislador, aparentemente, utilizado o vocábulo “comerciais” de forma redutora, quem sabe ainda refém de designações “antigas”, do revogado RAU. Mas a expressão em causa não é unicamente mencionada neste diploma, sendo-lhe, igualmente, feita referência no art.º 8.º-A, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, nos termos do qual “O encerramento de instalações e estabelecimentos ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia provocada pela doença COVID-19 não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados”. Ora, o conteúdo desta disposição, claramente direcionado para os contratos não habitacionais, vem reforçar a ideia de que as outras formas contratuais de exploração de imóveis que o legislador quis abranger serão efetivamente as destinadas a fins não habitacionais. Sem prejuízo destas considerações, e porque outras figuras de exploração de imóveis para fins habitacionais distintas do arrendamento poderão, eventualmente, merecer idêntica proteção, o tema não ficará sem margem para discussão, deixando-nos uma pertinente interrogação: prevendo-se muito em breve nova alteração a este regime excecional, aproveitará o legislador para afastar definitivamente estas dúvidas? Aguardemos, atentos, pela intervenção que se avizinha.

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