“A minha casa é a tua casa”…ou talvez não!

Contudo, de acordo com o comunicado do Ministério das Infraestruturas e Habitação, o novo direito constitui-se como uma “solução habitacional alternativa que compatibiliza a necessidade de segurança e estabilidade, com a flexibilidade adequada aos percursos pessoais e familiares”. Pretendendo reduzir, significativamente, o endividamento das famílias, constitui-se como um “modelo de rentabilização dos imóveis atrativo para que os proprietários os disponibilizem para esse fim, aumentando assim a oferta habitacional em regimes alternativos à compra e venda”. Vejamos, afinal, se é esta a solução ideal para as (muitas) necessidades habitacionais das famílias portuguesas. Na prática, o Direito Real de Habitação Duradoura faculta a uma ou várias pessoas o gozo de uma habitação alheia como sua residência permanente por um período vitalício, mediante o pagamento ao proprietário de caução pecuniária e de contrapartidas periódicas. E este direito, constituído pelo proprietário de uma habitação a favor de quem adquire a qualidade de morador, deverá ser celebrado por escritura pública ou por documento particular, momento no qual deverão ser pagas pelo morador as quantias relativas à caução e à primeira prestação mensal. O montante da caução pecuniária a ser prestada pelo morador ao proprietário é estabelecido por acordo das partes, entre 10% e 20% do valor mediano das vendas por metro quadrado de alojamentos familiares, sendo prestada por um prazo de 30 anos, e o seu valor inicial reduzido em 5% ao ano a partir do início do 11º ano e até ao final do 30º ano de vigência do direito. A referida caução pode ressarcir as dívidas e despesas decorrentes do não cumprimento pelo morador das suas obrigações, ou pagar as dívidas garantidas por hipoteca constituída pelo morador sobre o direito, caso em que o proprietário ficará sub-rogado nos direitos do credor, na medida do pagamento efetuado. O montante da prestação pecuniária mensal será fixado entre as partes e estabelecido no contrato, bem como uma prestação pecuniária anual, por cada ano efetivamente decorrido desde o 11º ano até ao final do 30º ano, correspondente ao diferencial entre o valor inicial da caução e o valor da caução nesse ano. O proprietário deverá assegurar que a habitação é entregue ao morador em estado de conservação, no mínimo, médio; cumprir com as obrigações decorrentes do condomínio; realizar e suportar o custo de obras de conservação extraordinária na habitação (salvo se as anomalias existentes resultarem de atos ilícitos e ou do não cumprimento de obrigações por parte do morador); gerir o montante recebido a título de caução, sem prejuízo de, em qualquer caso de extinção do direito, assegurar a devolução da mesma ao morador. Por sua vez, o morador deverá fazer o uso exclusivo do imóvel para habitação permanente; assegurar a habitação com o seguro multirriscos; suportar as taxas municipais e entregar ao proprietário do imóvel os montantes relativos ao IMI da habitação; promover ou permitir a realização das avaliações do estado de conservação da habitação previstas; dar conhecimento ao proprietário da existência de anomalias na habitação cuja reparação caiba a este promover e realizar e suportar a cada 8 anos as obras necessárias à manutenção de um nível de conservação da habitação, no mínimo, médio. Ao exposto, acresce ainda que o proprietário poderá transmitir livremente a propriedade onerada com aquele direito, de forma onerosa ou gratuita, mas não poderá, contudo, constituir outros direitos reais sobre a mesma. No entanto, aquando da transmissão da propriedade da habitação para o morador, este poderá utilizar o montante da caução, a cuja devolução tenha direito, para compensar total ou parcialmente a obrigação do pagamento do preço. O Direito de Habitação Duradoura pode ser extinto de diversas formas: por renúncia do morador, mediante declaração, com assinatura reconhecida presencialmente, enviada ao proprietário, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de 90 dias em relação à data de entrega da habitação, sendo-lhe devolvida a totalidade ou parte da caução paga, caso renuncie durante os primeiros 30 anos de residência na habitação (mantendo-se o direito em relação ao outro titular, no caso do mesmo ser titulado por mais do que uma pessoa); com a morte do morador (ou, se o direito for constituído a favor de mais do que uma pessoa, com a morte do último deles); ou por incumprimento definitivo de qualquer uma das partes, traduzido no não pagamento de montantes devidos pelo morador ou, pelo proprietário, ultrapassados os prazos estabelecidos e na reincidência de atraso no pagamento de montantes devidos pelo morador – 3, 4 ou 5 vezes (seguidas ou interpoladas) consoante o contrato vigore respetivamente há menos de 15 anos, há mais de 15 e menos de 30 anos ou há mais de 30 anos. Sublinhe-se ainda que o direito em questão não é assim transmissível mortis causa e, enquanto vigorar, apenas poderá ser transmitido pelo morador, caso haja autorização do proprietário, podendo, no entanto, aquele constituir hipoteca sobre o direito, quando a mesma garanta o pagamento do crédito contraído para suportar o pagamento do valor da caução. E, assim, se se verificar a aquisição da propriedade pelo morador, a hipoteca subsistirá sobre a propriedade da habitação, e no caso de renúncia ou de transferência dos direitos do morador para o proprietário, a hipoteca subsistirá também, como se a extinção do direito não se tivesse verificado. Ora, neste cenário e à primeira vista, surgem sobremaneira vantagens para o senhorio a quem é assegurada a rentabilidade estável e segura (porque a garantia da caução anula o risco do incumprimento do morador das contrapartidas devidas ou da não realização das obras que deve efetuar), nomeadamente: a redução significativa do custo da gestão do seu património edificado (porque é ao morador que compete a realização das obras de conservação ordinária e o pagamento das despesas relativas às mesmas, às taxas municipais e ao IMI); a possibilidade de gerir e rentabilizar o capital correspondente à caução paga; o direito de reaver a habitação em estado de conservação, no mínimo, médio, em caso de extinção do direito e, caso tal não aconteça, pode ainda deduzir as despesas das obras no saldo da caução a devolver ao morador. Mas, igualmente se verificam benefícios para o morador, entre eles: o direito vitalício de residir numa habitação podendo apenas ser extinto se assim o desejar ou se entrar em incumprimento definitivo do contrato; a reduzida necessidade de investimento (e endividamento!) em comparação com a aquisição de casa própria; a estabilidade e segurança para as situações em que a aquisição com recurso a crédito não é possível ou desejável; a possibilidade de hipotecar o direito se for necessário contratar crédito para pagar a caução e o direito à devolução, total ou parcial, da caução, podendo reutilizar o montante para aceder a outra solução habitacional mais adequada ao seu percurso pessoal, familiar ou profissional. No entanto, análise feita, são evidentes as desigualdades entre as partes envolvidas e, certamente por esse motivo, se duvida da exequibilidade e sucesso deste novo desafio à política de habitação. Por um lado, e apenas a título de exemplo, temos condições vantajosas para os senhorios - que são financiados pela caução adiantada (cujo valor não é claro sobre se incide sobre o Valor Patrimonial Tributário ou o valor comercial e que, quando devolvida ao inquilino, não é sujeita à respetiva atualização), e ficam isentos de pagar IRS sobre a referida caução e as rendas (sem que se saiba quais as deduções e benefícios para o inquilino que parecem não constar do diploma). Por outro, o morador vai pagar a renda que o proprietário entender (anualmente atualizada), para além do IMI; das taxas autárquicas que competiam ao proprietário; da quota do condomínio e das obras de conservação; as melhorias ou a requalificação da habitação e eventualmente, os seguros. Situação esta que, na realidade, pode mesmo fazer crer que o ideal para o morador seja adquirir uma habitação (mediante um empréstimo com valores menores ou semelhantes ao que pagaria pelo tal contrato vitalício, e ficar com a propriedade que pagou ao longo dos tais 30 anos) … ou… talvez não!

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