A Lei 13/2016: a meio caminho entre a cosmética legislativa e a anunciada revolução?

Entre os esquissos legislativos anteriores, tendo em conta o prolongado fallout da crise financeira, era necessário apostar em instrumentos e mecanismos que afirmassem os últimos redutos contra o avanço inusitado das crescentes penhoras e vendas judiciais. Entre os passos previstos, e aqueles efetivamente dados, resta uma zona cinzenta de dúvidas sobre a suficiência da sua extensão que só a inexorável marcha do tempo poderá responder.O referido diploma preconiza visíveis limitações aos casos de venda executiva de imóvel que seja destinado exclusivamente à habitação própria e permanente do executado, isto num espectro (exclusivo, diga-se) de uma execução fiscal. A intervenção foi feita assim num duplo patamar introduzindo alterações quer ao Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante, “CPPT”), quer à própria Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”), reafirmando a sua ratio essencial que consiste, nas execuções fiscais, em afirmar a impenhorabilidade e venda executiva da casa de morada de família que se destine efectivamente à habitação própria e permanente do devedor (este requisito é fundamental), mesmo quando não existam outros bens conhecidos naquela esfera.Obviamente que existem exceções ao preceituado, sendo que, atenção, existem situações em que essa penhora e venda executiva é possível. Por um lado, o próprio CPPT estipula essa possibilidade i) quando o valor tributável do imóvel em causa se reconduza, no momento da penhora, na taxa máxima em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, prevista para a aquisição de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente (1). Ou ii) quando o próprio executado tenha interesse, e o demonstre consequentemente, em fazer cessar essa prerrogativa e impedimento legal.Neste sentido, o próprio artigo 49.º, número 4 da LGT consigna que a contagem do prazo de prescrição da prestação tributária se suspende durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente. E mesmo nos casos em que a penhora ou venda executiva não esteja vedada, e naturalmente ocorra, o executado é constituído como depositário do bem até efetiva venda do imóvel, sem qualquer obrigação de entrega do bem.Aqui chegados, prima facie, teremos que forçosamente salientar que, ao contrário do mediaticamente veiculado, não estamos aqui perante uma qualquer fragilização do âmbito de actuação da Autoridade Tributária. Pelo menos não na extensão que foi precipuamente anunciada. O direito procedimental à cobrança coerciva existe e subsiste e apenas cessará com o pagamento efetivo da dívida. A suspensão do prazo de prescrição, nos termos do artigo 4.º do artigo 49.º da LGT, equilibra-se no exacto período correspondente em que a Autoridade Tributária se encontra impedida de proceder à penhora ou venda executiva da casa de morada família.Mas, por outro lado, e aqui sim, o âmbito de protecção efectiva do(s) executado(s) não é, como se fazia querer (e como nem poderia ser), impenetrável. Nem sai, como seria de esperar, inquestionavelmente mais reforçado de tais esforços legislativos. De facto, as excepções ao regime apontadas, assim como o prazo de prescrição existente e, sobretudo, o facto de este regime dizer respeito, apenas, às dívidas de carácter fiscal, ficando as execuções de carácter cível fora do sem âmbito de aplicação, fazem com que não possamos falar de um regime (totalmente) inovador. Por outro lado, existem situações específicas que levantam ainda dúvidas na aplicabilidade da referida Lei: por exemplo, onde ficam as vendas efectuadas nos termos dos artigos 794.º e 873.º do Código Civil, em que a Autoridade Tributária reclama créditos mas a penhora é de terceiros? É que, no limite, estaremos perante uma execução enviesada que acabará por constituir uma entorse inquestionável ao que, cremos, foi a previsão legislativa da Lei sob escrutínio.A ratio desta Lei teria sempre que se relacionar com uma preocupação quasi antropocêntrica de valorização de um princípio (ínsito constitucionalmente) de protecção do indivíduo, do seu agregado e do seu espaço de interação familiar. O brocado casa de morada de família tem um legado jurídico que, pensamos, o legislador não conseguiu correctamente aportar e densificar. E, neste âmbito, só se poderia considerar como totalmente inovadora uma lei que quebrasse as barreiras instituídas e que não ficasse, como esta faz, num meio passo de caráter conjuntural.É que ao contrário de uma prerrogativa de exercício eficaz, parece-nos que o que acaba por ficar consignado é um congelamento da situação, mutatis mutandis, um stand still da situação do executado, que lhe permite (sobre)viver com a situação. Falamos, com as devidas ressalvas, não num efetivo direito de defesa, mas sim num verdadeiro balão de oxigénio que acaba por se configurar como um delineado direito de resistência. Para esta interpretação aponta, claramente e até, o facto do executado se poder constituir como depositário nos termos expostos supra.Parece-nos que é aqui que nos movemos. Entre o que esta lei quis ser, poderia ter sido, e naturalmente é. Na demanda pela articulação entre um manto de proteção do executado, e as correclatas expetativas da Autoridade Tributária, esta Lei acabou por flexibilizar interesses conflituantes, é certo, mas sem ter o mérito (e coragem) de romper as necessárias barreiras jurídicas. Cremos que os processos de operacionalização e instrumentalização desta Lei acabarão por ditar o seu efetivo grau de sucesso. Uma promessa mediática? Um caso de mudança de paradigma? É cedo para o dizer com inabalável certeza. Mas, para já, ficamos por uma meia revolução…(1) Hodiernamente imóveis cujo valor seja superior a € 574.323,00. Nesta situação, a referida venda executiva só tem lugar passado um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

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