Apesar da pandemia, o mercado imobiliário em Portugal mostra-se resiliente e dinâmico, e a logística parece liderar os interesses dos investidores (não só em Portugal).
É o que defendem os especialistas que participaram no webinar “Tendências e Desafios 2021”, organizado esta semana pela APPII, pela VI e pela Ci. Participando no debate moderado por António Gil Machado, da VI, Eric van Leuven, da Cushman & Wakefield, afirmou que «a logística é hoje o setor que todos os investidores procuram. Não há dia em que a imprensa especializada não fale de operações deste mercado ou do Multifamily». Descreve «uma alteração substancial de paradigma», e recorda a anterior preferência pelos escritórios e pelo retalho nos últimos anos.
Assista aqui ao vídeo completo do evento:
Eric van Leuven confirma a maior procura por ativos próximos dos centros urbanos, onde «a oferta é deficiente, e há 10 anos que não se faz logística nova com alguma escala. Os ativos que existem hoje em dia já não respondem às exigências da distribuição moderna». Por isso, «hoje temos vários promotores nacionais e estrangeiros que se posicionam para criar a oferta necessária para dar vazão, como é o caso da Merlin Properties».
E recorda que «há muitos anos que alertamos que, com o crescimento do ecommerce, a logística deveria crescer também. Em 2020 notou-se o aumento da procura», e destaca a grande atividade de empresas do setor alimentar que são, simultaneamente, ocupantes, proprietárias e promotoras imobiliárias. Paulo Silva, da Savills, defende que «só a partir do nível em que estamos (com o ecommerce a representar cerca de 20% das vendas do retalho em 2020) é que se nota a necessidade do aumento da logística».
João Nuno Magalhães, da Predibisa, também atestou que «o Porto começou a ter bastante procura de last mile, muitos operadores quiseram aumentar a sua operação no Norte do país, e procuram armazéns próximos das cidades. Temos alguns promotores à procura de oportunidades».
O mesmo não se pode dizer do retalho, intrinsecamente ligado à logística, que tem sofrido mais com os confinamentos, que impediram a atividade. Mas Eric van Leuven está confiante numa “revenge spending” e num “boom” do consumo quando a pandemia estiver controlada. Mas recorda que «a situação do retalho físico não vem apenas do ano passado, já estava em curso uma transição do consumo das lojas físicas para a via eletrónica. As lojas físicas terão de se reinventar, abrindo mais canais de distribuição além da loja».
Neste mesmo debate, Pedro Lancastre, da JLL, testemunhou a retoma da promoção imobiliária, depois de alguma paragem devido à pandemia, e vê sinais positivos nos setores da logística ou dos escritórios. Está convencido de que «temos um bom ambiente, num mercado mais maduro e resiliente, com Portugal cada vez mais no radar», o que, segundo Pedro Rutkowski, da Worx, «nunca aconteceu tanto como hoje».
Paulo Silva testemunha «uma atividade muito intensa» nos produtos de investimento ou promoção imobiliária, nomeadamente no último caso: «é um comportamento de refúgio que permite apostar num produto que estará pronto já depois da pandemia».
Francisco Horta e Costa, da CBRE, afirmou estar convencido de que «não vamos viver em modo crise em 2021, seguramente não nos contornos da anterior. Os sinais que temos no início de 2021 são moderadamente otimistas, vamos um mercado que está a funcionar, com sinais muito positivos, nomeadamente na habitação ou escritórios, e com um mercado de investimento bastante dinâmico».
“Build to rent” com muito potencial por concretizar
O segmento residencial para rendimento é talvez o segundo mais procurado para investir hoje em dia, logo depois da logística.
Pedro Rutkowski não tem dúvidas do potencial deste setor em Portugal: «a questão é sempre a fiscalidade e um Estado muito interventivo, com pouca dinâmica de criação de operações em conjunto com privados, e um sistema legal muito complexo e complicado». E defende o incentivo a este conceito de parceria público-privada, para que a oferta de habitação seja feita «de forma acelerada». Paulo Silva considera que «o Estado deve atuar apenas onde os agentes económicos não atuam, e criar as condições para que o investimento seja atrativo».
Pedro Lancastre acredita que os preços dos ativos dos vários segmentos estão alinhados com as expetativas dos investidores, talvez à exceção do Multifamily: «os futuros valores de arrendamento podem não estar em linha com as expetativas dos investidores, num desfasamento de 10% a 15%. Sabemos que este mercado é muito pouco maduro em Portugal», justifica.
Dando algum contexto do mercado, Ricardo Guimarães, da Confidencial Imobiliário, chamou à atenção para a resiliência do mercado, e para o facto de, apesar da pandemia, os preços da habitação terem registado um abrandamento da subida, e não uma quebra, com os números mais recentes a apontarem para uma subida homóloga de 2,6% em fevereiro. Por outro lado, as descidas são registadas nos mercados do centro de Lisboa e Porto, mais dependentes do turismo. E cidades mais periféricas, como Oeiras, estão a crescer, 15% neste caso.
Escritórios vão continuar, durante “dezenas de anos”
«Teremos de conviver com os escritórios por dezenas de anos», afirma Paulo Silva, desfazendo as ideias de que o teletrabalho pode ter vindo para ficar.
Segundo o responsável, «o que menos agrada no emprego é o tempo e custo necessários das deslocações para o escritório. E depois de as pessoas estarem a trabalhar em casa, coloca-se o desafio de fazê-las regressar. Por isso, é muito importante sublinhar a preocupação com a qualidade dos espaços colaborativos», tendência que foi acelerada com a pandemia.
Pedro Rutkowski atesta que «continua a haver uma procura superior à que seria expectável», por causa da pandemia. «A oferta começa a ser diferenciada, com mais preocupações energéticas e ambientais», e não vê uma efetiva redução da área por trabalhador. E destaca que «Portugal está numa posição muito favorável a nível de competitividade».
No Porto, João Nuno Magalhães prevê que os níveis de ocupação sejam semelhantes aos de 2020: «estamos razoavelmente otimistas».
Pedro Lancastre acredita também que os preços se mantêm firmes neste segmento, e que «um edifício de escritórios hoje arrendado valeria tanto ou mais este ano que no ano passado», apesar de toda a incerteza.
No entanto, «precisamos de escritórios de qualidade», lembra Paulo Silva, segundo o qual «os promotores estão muito proativos na procura de terrenos», nomeadamente em Lisboa, onde «já é praticamente impossível encontrar escritórios para reabilitação em quantidade e qualidade».
APPII preocupada com falta de apoio do Estado às empresas
Hugo Santos Ferreira, da APPII, deixou neste webinar um sentimento de confiança no mercado, mas também alguma preocupação com as políticas públicas de investimento ou com a intervenção do Estado no mercado.
Acredita que, para muitos investidores, «o principal inimigo hoje não é a pandemia, e sim o Estado, e é dele que os investidores têm fugido, nomeadamente devido à burocracia». As medidas de limitação ao regime de “golden visa” estão no topo das preocupações, bem como a suspensão do pagamento das rendas fixas nos centros comerciais, que já justificaram várias ações na justiça contra o Estado português.
Por outro lado, em relação ao Plano de Recuperação e Resiliência, ou à Estratégia de Longo Prazo de Recuperação dos Edifícios, mostra-se preocupado com o facto de não incluírem «“green bonds”, porque importa não esquecer que as novas políticas públicas advêm de fundos comunitários europeus, todos eles baseados na sustentabilidade e economia circular. Apelamos à unificação de promoções imobiliárias com escala e dimensão, que possam ajudar na política pública e os nossos governantes a colmatar as lacunas do país. Estranhamos não haver um financiamento bonificado através destas “green bonds” para este tipo de operações». Isto porque, principalmente em matéria de habitação, «a oferta pública não será suficiente para colmatar as carências do país. O Estado sempre nos mostrou que nunca foi bom promotor imobiliário, e os promotores e investidores querem fazer parte das estratégias públicas nacionais. Não considerar os privados nestas políticas públicas deixa-nos com muito receio do futuro», partilha.