Novos modelos de habitação “mais flexíveis e dinâmicos” despertam interesse dos investidores

A conferência decorreu no âmbito do SIL Investment Pro.
A conferência decorreu no âmbito do SIL Investment Pro.

A primeira sessão do ciclo de conferências do SIL, que decorre de 10 a 12 de abril, centrou-se no impacto dos novos modelos de habitação. A urgência de adaptar o mercado residencial às mudanças sociais e económicas foi uma das ideias-chave partilhadas por Maria Empis, Head of Residential da JLL Portugal, na sessão “O mercado de living na visão do investidor”. Para a responsável, o modelo habitacional atual continua desfasado das necessidades da população — e é tempo de agir. “É fundamental mudar o paradigma da habitação, que não tem acompanhado as transformações demográficas e socioeconómicas que o mundo atravessa”, enfatizou.

A crescente mobilidade das pessoas, aliada à transformação dos agregados familiares, obriga a repensar o conceito de habitação. “A mobilidade exige que as casas acompanhem as diferentes fases da nossa vida”. Hoje, por exemplo, os agregados familiares são cada vez mais pequenos, neste sentido “precisamos de ter muito mais habitações ajustadas a estas novas estruturas familiares. Há 30 anos, os núcleos eram maiores. Agora, é necessário adaptar os loteamentos à realidade atual”. O desafio passa também por garantir que o setor imobiliário responda não apenas às necessidades habitacionais, mas também às exigências do consumidor moderno: “o foco na experiência tem também de ser, cade vez mais, trazido para o imobiliário”.

Maria Empis abordou ainda o Build to Rent, “um modelo alternativo de que Portugal precisa urgentemente”, manifestando expectativas quanto ao lançamento do primeiro projeto do género no país, localizado na Alameda das Antas, nas imediações do Estádio do Dragão e próximo do centro turístico do Porto.

Estamos fortemente focados no setor living a nível global

Durante a primeira mesa-redonda de debate, moderada por Alexandre Lima, Diretor da Iberian Property, Fernando Valcarcel Sanchez, Investment & Asset Manager – Iberia, da M&G Real Estate, apresentou a visão do gestora global para o setor e detalhou os projetos em curso na capital portuguesa. Neste momento, “estamos fortemente focados no setor living a nível global”, começo por dizer Fernando Valcarcel Sanchez. “Temos projetos de Build to Rent em Espanha — alguns ainda em desenvolvimento, outros já em operação — e aqui em Lisboa, além de ativos de escritórios, hipermercados e outras classes de ativos, temos também investimentos relevantes”, avançou. 

Projetos no bairro das Olaias

Um dos exemplos mais concretos dessa aposta está nas Olaias, onde o grupo tem em curso um projeto em fase final: “uma residência de estudantes, que nos será entregue este verão e cuja inauguração está prevista para setembro. No mesmo terreno, teremos ainda uma unidade de flex living”.  A gestora global de investimentos imobiliários, de origem britânica, investiu 35 milhões de euros na construção de uma residência para estudantes. Recorde-se que adquiriram também um projeto de habitação flexível de 46 milhões em Lisboa. Este projeto será operado “com uma licença de aparthotel”, e está pensado para oferecer uma resposta híbrida: “cerca de 85% da oferta será destinada a estadias médias, com 15% reservado a estadias de curta duração”, explicou.

Para a M&G, Lisboa representa uma cidade com forte potencial e onde a experiência tem sido positiva. “É uma cidade de que gostamos muito, onde temos trabalhado com entusiasmo e onde sempre fomos recebidos com grande simpatia”. A ligação próxima com o Reino Unido, onde o mercado é mais maduro, tem sido determinante. “Eles dão-nos muito suporte e orientação, mas depois é preciso adaptar tudo a nível local, com especialistas no terreno que nos digam: ‘essa ideia, esse conceito ou esses parâmetros que pretendes cumprir funcionam assim, desta forma, aqui em Portugal.’ Portanto, sim, é possível replicar — e, na verdade, já o estamos a fazer com sucesso”.

Atualmente, “um jovem pode estar aqui e, seis meses depois, estar a viver em Londres. Essa pessoa precisa de um lugar onde possa viver com comodidade — de preferência já mobilado, com wifi, com todos os serviços incluídos, onde seja possível entrar e sair com facilidade e de forma flexível. É isso que procuramos apoiar”, sublinhou Fernando Valcarcel Sanchez, acrescentando que “é esse o espírito por detrás do investimento nas Olaias, tanto na residência de estudantes como no projeto de flex living”. 

“Os fundamentos são a chave para explicar o porquê da importância do residencial”

Por sua vez vez, Miguel Pereira Pinto, Director da Quest Capital, sublinhou que “os fundamentos são a chave para explicar o porquê da importância do residencial. O residencial não é apenas um setor atrativo — é um setor onde todos querem, ou deveriam querer, estar”. Segundo o responsável, a procura existe em todos os segmentos e torna-se urgente “sabermos responder a essa procura. Para isso, acredito que a dimensão dos projetos é um fator-chave, porque traz valor”. 

É neste ponto que a escala surge como peça central. “Os promotores que têm vindo a desenvolver projetos de pequena e média escala — e que têm sido o verdadeiro motor da oferta — são os mesmos que estão a criar as casas para as pessoas”. No entanto, acrescenta,“a escala que hoje vemos a crescer vem, sobretudo, do capital institucional. E para atrair esse capital, é essencial haver escala”. Essa mesma escala, porém, “dificilmente se consegue no centro das cidades. Não estamos a falar de responder a uma procura limitada ou elitista — na minha visão, estamos a falar de responder à procura da classe média, média-alta, e da classe média real. A localização é, por isso, um ponto absolutamente crucial”.

A resposta, acredita, passa por um olhar renovado para a cidade e os seus limites, pois “não podemos continuar a pensar em construir apenas no centro da cidade, quando os custos de construção e do solo são, atualmente, um grande desafio. Para dar resposta a essa procura, é necessário olhar para zonas mais periféricas”. No seu ponto de vista, é fundamental também “haver apoio ao nível das infraestruturas — garantir mobilidade entre os centros urbanos e as periferias, e vice-versa. É aí que tudo começa”.

Neste sentido, para Miguel Pereira Pinto, há duas vias claras de resposta: “por um lado, através da escala, com localizações secundárias bem integradas; por outro, através de modelos de habitação alternativos — formatos inovadores que ainda não existem no mercado, que utilizam terrenos que não eram originalmente destinados ao uso residencial, e que, por isso mesmo, não foram tão pressionados ao nível dos preços. É nestas soluções que acredito como futuro para o setor”.

Novos formatos de living – a visão nacional

Num contexto de escassez de produto e elevada concorrência, operadores enfrentam margens cada vez mais comprimidas. A aposta na experiência e na diferenciação surge como caminho possível para sustentar a operação e conquistar novos públicos.

Na perspetiva de João Pita, Director of Real Estate Investments da Ando Living, “a questão da taxa de esforço é, em grande parte, um reflexo da situação atual do mercado imobiliário. Ou seja, não existe produto disponível em todas as classes de ativos e, por isso, torna-se difícil. Um dos grandes desafios nesta atividade é conseguir angariar produto, crescer a marca e, no fundo, encontrar oportunidades”.

Ainda assim, há sinais positivos. “A isto junta-se — e esta é a parte positiva da história — a performance, que não é exclusiva dos serviced apartments: noutras classes de ativos, a performance operacional também tem sido excelente. Portugal tem conseguido atrair um conjunto crescente de players internacionais interessados em entrar no mercado. Isso leva, muitas vezes, a uma competição feroz por novos ativos e pela captação de produto. Essa pressão, na prática, acaba por beneficiar o investidor ou proprietário, mas traduz-se num aumento da taxa de esforço para a operação”.

E isso impacta diretamente os operadores. “No fundo, qualquer operador quer garantir uma taxa de esforço que lhe permita cobrir os custos, sustentar a estrutura e manter uma margem de lucro. No entanto, essa margem tem vindo a ser comprimida, sobretudo no nosso mercado, devido à forte concorrência e à necessidade de assegurar produto”, sublinha João Pita. A diferenciação, defende, começa na experiência: “O conceito de experiência e o valor acrescentado das amenities refletem-se diretamente na rentabilidade da operação. Ou seja, o próprio conceito da Ando Living assenta na premissa de que, ao acrescentar à experiência tradicional de um serviced apartment uma componente de amenities, se está efetivamente a potenciar a receita e a operação”.

A solidez do projeto, contudo, assenta também noutros pilares: “O que sustenta tudo isto e lhe confere robustez é o investimento na marca e no seu posicionamento. Esse investimento em marketing tem de acontecer a jusante. E hoje em dia, esse esforço é continuamente escrutinado através de reviews e de todo o feedback quase direto que os clientes fornecem”, acrescenta João Pita.

Também Ana Marques, Operations Manager – Iberia da Nido Living, reconhece os desafios de equilíbrio financeiro num modelo de operação exigente. “A taxa de esforço é sempre um fator muito particular. Ao nível do piso operacional das nossas residências, oferecemos um modelo tudo incluído — ou seja, os residentes têm acesso a ginásio, cozinha partilhada, entre outros serviços”. Esse modelo, admite, tem impacto direto na operação. “Este modelo leva-nos, naturalmente, para um preço também ele ‘tudo incluído’, o que acaba por aumentar ligeiramente o peso operacional na gestão do edifício. Isto porque temos equipas de receção, manutenção, segurança, entre outros serviços permanentes — e todos estes elementos representam um encargo significativo sobre a nossa receita bruta”. 

“Os nossos residentes escolhem-nos pelo posicionamento da marca. É um investimento que fazemos e que acreditamos ser essencial”

Apesar disso, acredita que o investimento vale a pena. “Encaramos as amenities como um verdadeiro valor acrescentado. É um investimento que consideramos estrutural e que faz parte integrante do projeto”. A experiência, reforça, é essencial para um público que procura mais do que alojamento: “os estudantes não procuram apenas um lugar para dormir — procuram experiências. Em Portugal, os pais ainda têm um peso muito significativo na escolha da residência onde o filho vai ficar. No caso de um aluno europeu, a realidade é diferente: são mais independentes e tendem a procurar residências no centro da cidade, pela proximidade e conveniência. Querem viver a cidade, tirar partido de tudo o que ela oferece — e as amenities contribuem para essa vivência”.

Por sua vez, António Silva, CEO do Grupo BF, que aposta nos setores de senior living e hotelaria, “aquilo que sentimos no setor do senior living — independentemente dos vários segmentos — é que se trata, de facto, de uma tendência em crescimento, mas também de um grande desafio: a segmentação. O senior living é, por si só, um mundo. Temos o Independent Living, a residência assistida (Assisted Living), e ainda o Assisted Living with Memory Care, já com um conceito mais direcionado para o acompanhamento de doenças neurodegenerativas”. Para António Silva, o simples alojamento deixou de ser suficiente. “Um dos principais desafios é garantir a sustentabilidade da taxa de esforço, tanto para operadores internos como externos. Para isso, é essencial apostar no desenvolvimento de serviços adicionais. O ‘pão com manteiga’, por assim dizer — ou seja, o simples alojamento — já não é suficiente. É preciso injetar valor através de novos serviços, novas amenities, também neste segmento do senior living”.

A aposta tem de ser, claramente, no serviço e na diferenciação

Nas residências do grupo, há já um reforço na oferta de serviços diferenciadores. “Além dos serviços clínicos mais tradicionais como fisioterapia, neurologia, psiquiatria, psicologia ou podologia, já disponibilizamos uma oferta alargada aberta ao exterior: estética, cabeleireiro, serviços de bem-estar, entre outros”. A visão é clara: “tudo isto complementa a base — o alojamento — com um conjunto de valências diferenciadoras. A aposta tem de ser, claramente, no serviço e na diferenciação, de forma a garantir que o operador consiga suportar estas taxas de esforço”.