Sustentabilidade
A sustentabilidade e a digitalização num contexto de transformação urbana foram o tema em destaque no mais recente Pequeno-Almoço Conferência, organizado pela Vida Imobiliária em conjunto com a Schneider Electric em Lisboa, a 4 de dezembro. Na ocasião, Cláudio Costa, responsável do Canal de Promotores Imobiliários/Arquitetos da empresa, destacou que «estamos a fazer o caminho certo, e estamos convencidos de que vamos chegar a bom porto». Reconhece que estas preocupações ainda não são transversalmente aplicadas em todo o setor, e nem todos os profissionais ou clientes valorizam suficientemente estas questões, mas «parte dos próprios promotores imobiliários dar um passo mais à frente nos seus projetos, depois disso dificilmente vão voltar atrás. Hoje em dia, já temos experiência suficiente para olhar para trás e ver que os benefícios compensaram perfeitamente os investimentos».
Pedro Vicente, CEO da Overseas, testemunha que a sensibilidade do cliente para optar e pagar mais por imóveis e soluções mais sustentáveis depende do segmento de mercado. «No segmento alto há, efetivamente, uma perceção da mais-valia desse tipo de aspetos. Mas no segmento médio, não acho que haja ainda disponibilidade ou conhecimento para pagar mais». Isso poderá mudar quando a banca começar a aplicar determinados critérios para o financiamento da habitação. Até lá, «sabemos da crise habitacional que existe, e tudo o que for dispensável, fica de fora». Mas Pedro Vicente remata ainda que «mesmo da parte dos promotores há ainda muito pouca sensibilidade» para a importância da sustentabilidade. Espera que os colegas do setor «se interessem mais sobre estas questões para que, todos juntos, façamos um mercado mais sofisticado».
Tiago Cerdeira Pinto, Diretor de Operações na Add Solid, concorda que os clientes estão pouco alerta para estas questões. «Os projetistas têm de ter até alguma criatividade para não onerar demasiado as empreitadas e conseguir atingir os patamares de NZEB, mas são custos que deixam de ter significado num segmento mais alto do mercado». E alerta que «na nossa realidade portuguesa de falta de poder de compra, as novas exigências da construção nova poderão ser um passo maior do que a perna. Precisaríamos de dar um passo atrás para ter habitação acessível».
Já Nuno Marques, Head of Technical and Urban Advisory Services na Engexpor, não tem dúvida de que a sustentabilidade deve ser incorporada no edifício logo através de soluções passivas, ou seja, construtivas, mas considera que «ainda há um certo afastamento dos projetistas no que toca a estas questões, até porque estão sempre a “lutar” contra os prazos. Tem de haver uma visão integrada entre todos os stakeholders». No entanto, considera que «estamos a dar os primeiros passos, e são sólidos».
Para os especialistas que participaram nesta mesa, as casas inteligentes ainda não estão generalizadas como seria o ideal. Danny Venceslau, Diretor Imobiliário na Criterion Portugal, considera que «ainda estamos um pouco longe do que deveríamos estar ao nível da casa inteligente», apontando que «a domótica ainda tem dificuldades em se interligar com outros parceiros, como os eletrodomésticos ou a parte elétrica ou sistemas de AVAC, ainda não é tão fácil desenvolver este tipo de projetos. Mas há maior preocupação com isso». Por enquanto, «a maior parte dos clientes procuram estores elétricos, ar condicionado ou estacionamento com carregamento para veículos elétricos. Mesmo nós temos, por vezes, algumas dificuldades em perceber como vai ser a incorporação e gestão de todas estas componentes».
A Schneider Electric em particular desenvolve soluções de gestão de energia e domótica para habitação, que permite controlar todos os consumos em casa, incluindo produção de energia ou carregamento de veículos, e «de forma escalável», nomeadamente para promotores que querem, desde logo, «incorporar algumas destas soluções e evoluir junto de outros players do mercado». E assume-se «sensível à questão do investimento e ao défice de habitação no nosso país. Temos tentado desenvolver soluções com custos relativamente pequenos face ao que era necessário há relativamente pouco tempo. Não basta só estarmos atentos ao desenvolvimento do mercado, temos de perceber de que forma temos de nos ajustar para dar o apoio necessário aos vários stakeholders».
O que é certo é que, com maior ou menor perceção, a legislação europeia está em marcha e define metas de descarbonização ambiciosas. Em breve, a lei terá de ser transporta e aplicada a cada país, e Portugal não é exceção.
Rui Fragoso, Diretor na Direção de Edifícios e Eficiência de Recursos ADENE, explica que, a partir de 2026, e de forma calendarizada, passará a ser obrigatória a instalação de sistemas solares nos edifícios, a começar pelos edifícios públicos. O objetivo da diretiva europeia «é estimular a instalação de painéis fotovoltaicos».
Por outro lado, passará a ser obrigatória a partilha da análise do ciclo de vida detalhado do edifício e o do seu contributo para o aquecimento global, nomeadamente para edifícios com mais de 1.000 metros quadrados, o que poderá ser feito através das declarações ambientais do produto, com base no sistema Levels. Os passaportes energéticos são uma das novidades antecipadas pelo setor, e deverão impactar principalmente os edifícios existentes, com a obrigação de reportar informações específicas sobre as componentes. «Isto é algo que provavelmente vai impactar muito em breve todo o setor imobiliário e que vai obrigar a monitorizar todas as emissões de carbono de materiais, entre outros. Vai também obrigar a que haja mais informação disponível, com mais fontes».
A partir de 2050, os novos edifícios estarão obrigados a corresponder à classe energética A, mas o A+ vai produzir mais energia do que aquela que consome, sendo, assim, melhor que o standard mínimo.
O responsável resume que «temos muitos desafios e muitas incógnitas na legislação e na perceção do mercado, nomeadamente mantendo os custos controlados e respondendo aos investidores. Temos de antecipar e procurar os melhores caminhos para dar resposta a estas exigências».
As novas iniciativas e objetivos europeus determinam que a banca terá de passar a discriminar os projetos e investimentos mais sustentáveis dos que não o são. Mas os especialistas imobiliários não estão ainda a sentir essa diferença nos seus investimentos.
Danny Venceslau afirma que «não sentimos ainda essa pressão por parte dos bancos para ter ativos mais verdes através dos juros. Neste momento, investir muito ou pouco [na sustentabilidade] é igual». E critica também a pouca aproximação entre a banca e as empresas avaliadoras.
Pedro Vicente tem a mesma perceção, e destaca o «atraso enorme em termos de sensibilidade» também na área da banca. A sustentabilidade «é um “nice to have”, mas não é ainda taxativa. Por vezes, as questões da sustentabilidade podem até ser mais usadas como uma promoção comercial, mas a valorização por parte do banco ou do Estado ainda é muito pouca».
A ADENE, por seu lado, já estabeleceu um protocolo com a Associação Portuguesa de Bancos através da qual a ADENE disponibiliza dados para que a banca possa cumprir com as suas obrigações de reporting, nomeadamente com iniciativas que «convençam os seus credores de que têm de fazer algo para melhorar os próprios rácios da banca», explica Rui Fragoso.
A mobilidade elétrica é uma das áreas em que esta transformação fica mais evidente, com cada vez mais pessoas a optar por carros elétricos, o que traz desafios inerentes não só para a infraestrutura elétrica das cidades, como para a própria construção.
Já há várias formas de gerir o carregamento de veículos elétricos. Cláudio Costa explica que pode passar pela gestão dinâmica dos consumos, ou através da ligação direta à fração. Seja como for, há condições de segurança a garantir, especialmente ao nível das instalações e da sua potência, para mitigar o risco de incêndio, principalmente no momento do carregamento.
As comunidades energéticas podem contribuir para esta resposta. Estão a dar os primeiros passos, e deverão ter um impulso maior em 2026, quando os edifícios forem obrigados a ter instalados sistemas solares. No entanto, na experiência dos profissionais presentes, ainda são poucos os exemplos de comunidades energéticas em funcionamento.
Pedro Vicente dá o exemplo de um projeto que a Overseas está a desenvolver em Estremoz, com comunidade energética. «As dificuldades que encontramos são sempre imensas. Neste projeto, há um desajuste entre o consumo do projeto e a capacidade produtiva da central que se pretende instalar, e temos muitas dificuldades com a interligação com a rede, ainda é um tema frustrante. Mas há vontade, o tema está em cima da mesa e tem de ser viabilizado».
António Gil Machado, diretor da VI, conclui que «estamos a discutir as soluções de um futuro próximo, ainda que demorem a chegar ao mercado. São desafios presentes e futuros, e vão impactar esta missão de fazer um imobiliário mais verde»