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Sustentabilidade é cada vez mais uma vantagem competitiva

No atual contexto de mercado, cada vez mais concorrencial e em que a descarbonização é uma inevitabilidade, a sustentabilidade não só é encarada como um fator de transformação do setor imobiliário como uma vantagem competitiva para atrair capital e, em alguns casos, uma fonte geradora de rendimento adicional. Contudo, há ainda um longo caminho a percorrer nesta jornada, que poderá acelerar se houver mais legislação.

Susana Correia 16 Abril 2025

Esta é a grande conclusão extraída do pequeno-almoço debate promovido pela Vida Imobiliária, com o apoio da Charge Guru, no passado dia 2 de abril em Lisboa, e que desafiou oito especialistas a refletir sobre “Como manter e multiplicar valor através da sustentabilidade”

Diferentemente do que acontecia há 15 anos, hoje a sustentabilidade é um fator de qualificação para empresas e ativos: temos de apresentar resultados concretos, pois os investidores já têm o desígnio de cumprir com boas práticas ESG”, afirma o CEO da Widerproperty, Luís Loureiro. A seu ver, “a grande mudança foi ao nível do mindset do property e do asset management, que evoluiu no sentido de não só conseguir reduzir custos através da sustentabilidade como de saber a importância de quantificar e avaliar os progressos nesta área, gerando informação que irá suportar algumas decisões de investimento”.

Estamos todos num nível de consciencialização muito diferente do passado”, concorda Sérgio Meireles, Membro do Comité e Head of Real Estate da Caixa Gestão de Ativos. E, de facto, “a sustentabilidade tornou-se um aspeto fundamental para um investidor”, afiança Diogo Coelho, responsável pela área de Sustentabilidade e ESG na Square AM. “Sabemos que não vão deixar de existir ativos considerados tóxicos, mas um bom asset manager deve poder comprar qualquer tipo de ativo e de ter a capacidade de arregaçar as mangas para assegurar a sua transição, tornando-o mais sustentável possível”, diz, exemplificando com a aquisição de gasolineiras pela Square. “É um tipo de ativo que a priori não é muito atrativo nesta altura, contudo é preciso olhar em diante e perceber que aqueles espaços podem vender muito mais coisas além de combustíveis fosseis e que podem vir a ser reconvertidos como postos de abastecimento elétrico ou de hidrogénio, por exemplo”.

Benefícios fiscais ainda não chegam, é preciso mais legislação

Na perspetiva de Telmo Antunes, Technical Manager da Merlin Properties, “em Portugal, os benefícios fiscais associados à majoração da sustentabilidade em edifícios ainda são muito reduzidos. Do ponto de vista do proprietário, a principal conquista do investimento num edifício sustentável é reputacional e na obtenção de financiamento, pois vamos conseguir financiar o componente de investimento sustentável entre 5 a 10 pontos base abaixo da taxa de juro de referência, e aí sim, há poupança e um benefício efetivo”. No entanto, lembra, “o volte-face que aconteceu na reabilitação urbana com a redução do IVA para 6% é um bom exemplo do impacto positivo da fiscalidade no investimento, e é algo que poderia ser muito importante também neste campo”, advoga.

Frisando as assimetrias existentes entre as diferentes classes de ativos nesta transição sustentável do imobiliário, Patrícia Barão, Partner e Head of Residential da DILS, afirma que “há um mundo completamente diferente entre aquilo que é a sustentabilidade nos escritórios e na habitação, por exemplo. Na habitação estamos décadas atrasados em relação a outros países, e embora ainda haja um longo caminho a percorrer, também é preciso perceber que este já não tem volta”. Por isso, “a legislação é um tema primordial no que respeita à sustentabilidade no imobiliário. Pois, sem a legislação certa não haverá essa mudança... Não é só com incentivos e benefícios que vamos avançar, tem mesmo de ser legislando!”, defende.

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Setor financeiro quer mais investimento em CAPEX

O setor financeiro tem sido um dos grandes catalisadoras da transformação sustentável do setor imobiliário. “Um banco é um gestor de riscos e um catalisador da economia, e há um objetivo claro e inequívoco por parte da banca na área da sustentabilidade e do ESG, traduzido desde logo pela preocupação em termos de balanço de ter uma exposição cada vez maior a investimentos que sejam sustentáveis e tenham uma forte aposta em eficiência energética”, reconhece Sérgio Meireles. “A qualidade creditícia é uma preocupação indiscutível, e uma enorme preocupação ao nível da formação, de modo a assegurar que toda a informação que nos permita avaliar os riscos carbónicos e de transição dos ativos possa ser disseminada ao máximo dentro de toda a instituição, mas também na forma como comunicamos para fora”. Mas isso pode ser também uma oportunidade para os proprietários reforçarem o investimento em CAPEX nas suas carteiras, nota. “Toda a cadeia do imobiliário é acompanhada pela banca, e como tal existe uma preocupação em refinanciar projetos para que se tornem mais sustentáveis”, garante.

Sujeita à obrigatoriedade de reporte financeiro em sustentabilidade, a Merlin “tem de investir continuamente em CAPEX para tornar os edifícios existentes mais sustentáveis”, reconhece Telmo Antunes; advogando que “reabilitar já é uma atitude em prol da sustentabilidade, pois do ponto de vista do consumo de materiais e de recursos tem uma pegada carbónica muito mais reduzida que a construção nova”.

Um fator de transformação do setor imobiliário

A descarbonização do imobiliário é uma emergência, e se não agirmos diferente não teremos tempo para nos adaptar”, alerta Patrícia Barão, que também é vice-presidente da APEMIP. “Ainda construímos como há cem anos. E, como tal, temos de avançar com a industrialização, que será uma componente crucial para avançar na descarbonização do setor residencial”, defende. A par disto, nota ainda, “comprar casa não tem o mesmo impacto que há 20 ou 30 anos, em primeiro lugar porque os preços são mais elevados, e em segundo porque há muito menos oferta. Portanto, hoje a primeira e grande preocupação do mass market é a de ter uma casa disponível para comprar, e só depois é que surge o interesse pelo seu nível de sustentabilidade”, sendo que mesmo entre os compradores estrangeiros, “há nacionalidades que valorizam muito mais as caraterísticas sustentáveis de uma casa do que outros”, adverte.

A questão da habitação é um flagelo”, concorda Elsa Monteiro, diretora de Sustentabilidade & ESG da Sonae Sierra. “Temos um problema, porque atualmente o mercado compra o que existe e, investir em sustentabilidade ainda não é encarado como uma necessidade em termos de competitividade” do lado da promoção. No entanto, “o mercado vai mudar” e “ou o setor reinventa a forma de produzir habitação, ou será inevitável um custo inicial mais elevado para garantir conforto e uma operação mais eficiente a médio prazo”, alerta a especialista, lamentando que ainda haja “bastante resistência quanto à industrialização da construção, quer por parte do cliente final, que a perceciona como um tipo de construção de menor qualidade; como por parte dos arquitetos, que consideram que a adoção deste tipo de soluções pode penalizar a sua criatividade”.

Além disso, o verdadeiro conceito de “habitação acessível deveria considerar também os custos de operação e os benefícios que o edifício terá ao longo da vida; mas na maioria dos casos não se introduz essa variável”, realça esta especialista. Uma visão alinhada com a de Patrícia Barão, que acrescenta “apesar da importância da poupança para o consumidor final, neste campo é preciso ir muito mais além das questões relacionadas com o consumo energético”.

Reconhecendo que “o certificado energético é claramente o tema na habitação”, a Vice-presidente da APEMIP diz que “para o consumidor final, este selo funciona como não só um barómetro da sustentabilidade, mas sobretudo como um requisito legal no momento da escritura, ao invés de preconizar a aposta do promotor em sustentabilidade”. E lamenta que “embora o imobiliário seja uma das industriais mais pesadas que existem em termos de pegada carbónica, muitos promotores ainda têm essa visão a médio e longo prazo acerca da sustentabilidade, que encaram erradamente como um custo adicional”. Por isso, “o único caminho é criar um novo paradigma, e na habitação temos uma oportunidade de ouro para fazer bem e melhor, apostando em novos métodos construtivos que no final de contas gerarão mais benefícios com o mesmo investimento”.

Infraestrutura não está preparada para o boom da mobilidade elétrica

A questão da mobilidade elétrica e o seu impacto no setor imobiliário foi outro dos pontos abordados no encontro. Até porque, “embora ocupem pouco espaço, os postos de carregamento elétrico já são uma componente muito importante para um edifício, na medida em que a sua existência vai afetar em muito a comodidade dos seus utilizadores”, nota Fran Cortegoso Fernandéz, Development Director Iberia da ChargeGuru.

A maioria dos edifícios atuais não está pensada para acomodar estes equipamentos e este tipo de consumo, sendo que em certos casos o carro é o equipamento que mais energia consome no circuito doméstico. E é preciso olhar para o futuro, pois isto coloca grande pressão na infraestrutura elétrica dos edifícios”, adverte, sublinhando que “20% dos carros vendidos no último trimestre já são elétricos”. Segundo o responsável, “o maior problema que se coloca não é a falta de energia na Península Ibérica ou a falta de capacidade para a produzir; mas, sim, a forma como essa energia será depois distribuída e levada até onde é necessária. Ou seja, se todas as pessoas que compram carros optassem por um elétrico, teríamos energia suficiente para os abastecer, mas poderíamos ter dificuldade em fazê-la chegar aos locais onde é preciso. Portanto, deveríamos já começar a projetar as nossas cidades com a perspetiva que a infraestrutura elétrica do futuro precisará de ter muito maior capacidade que a atual. Porque, hoje se precisarmos que uma rua ou um bairro tenha mais capacidade, a e-redes pode não ter capacidade de responder, simplesmente, porque a infraestrutura existente não suporta essa reforço”, alerta.

E, se em certos locais não temos como eletrificar equipamentos já existentes, seria muito importante que pudéssemos redimensionar os edifícios novos, tendo em conta que dentro de uma década a maioria dos carros será elétrica”, diz Fran Cortegoso Fernandéz, realçando que esta é uma questão que não se restringe ao residencial. “No futuro, uma empresa que não disponha de infraestrutura com capacidade para carregar carros elétricos no seu escritório, terá de mudar de instalações, pois os colaboradores precisam de carregar os veículos enquanto estão a trabalhar. Hoje, nos próprios centros comerciais, a existência ou não de carregadores já é um fator que pesa na decisão da deslocação a um centro, em detrimento de outro”.

Esta é, aliás, uma preocupação partilhada pela Sonae Sierra. “Temos feito estudos nos nossos ativos, para saber o que é preciso fazer para reforçar a capacidade energética de cada um deles”, conta Elsa Monteiro, revelando que “no caso do Colombo precisamos de investir 1,5 milhões de euros só para reforçar a capacidade elétrica, sem incluir neste valor as restantes infraestruturas. E, depois ainda falta saber se a rede terá ou não capacidade de resposta”, diz.

Seja como for, prevê o responsável da ChargeGuru “os carregadores não deverão carregar muito mais depressa do que agora, pois é importante um sistema de carregamento balanceado com o edifício”.

Uma nova fonte de rentabilidade para o setor

No novo paradigma não só vamos deixar de olhar para o ESG como um custo, como o começamos a olhar como uma receita e isso é uma mudança incrível. E o grande gatilho que aqui está é que a sustentabilidade já pode ser uma fonte de rentabilidade”, afirma Sérgio Meireles. Na Caixa Gestão de Ativos, “começámos a fazer os investimentos em painéis solares em 2008/09, na altura com rentabilidades incríveis. E hoje, tanto investimos diretamente em CAPEX na instalação de painéis e baterias, como alugamos o espaço para que o investimento seja feito por terceiros”, sendo sempre preciso “analisar caso a caso, em função das várias componentes e caraterísticas do ativo e dos objetivos de investimento”. E, continua, “este tipo de investimento num edifício de escritórios tem claramente vantagens sob dois prismas: por um lado, a poupança da fatura energética dos ocupantes; por outro lado, a potencial receita energética. Além disso, quanto mais sofisticado for o inquilino, geralmente melhor será o resultado para o proprietário”, diz, sublinhando que “hoje o inquilino já conta com equipas multidisciplinares para fazer o procurement dos seus escritórios que, entre outros requisitos, querem saber quanto vão pagar de fatura energética naquele espaço, e nós temos de ter capacidade de resposta”.

Diogo Coelho concorda com esta perspetiva, acrescentando que “a sustentabilidade é geradora de retorno não só através da produção de energia, mas também através da mobilidade”, sendo que na Square, “temos dois centros comerciais onde estamos a obter rendas de 7€/m² numa área de estacionamento, e que até recentemente não gerava qualquer retorno financeiro direto”.

No caso da Merlin, “a monetização das coberturas dos edifícios já é uma realidade”, dando espaço a uma nova linha de negócio “que analisa a capacidade da cobertura para produzir energia, sendo nós o próprio operador”. E, embora para já não o esteja ainda a fazer com a instalação de carregadores elétricos, essa é uma oportunidade que pode vir a ser capitalizada no futuro, admite Telmo Antunes.

Já a perspetiva da Sonae Sierra é um pouco diferente. “A sustentabilidade pode ser transformativa do imobiliário, tanto ao reduzir fortemente o impacto do setor no meio ambiente e na comunidade envolvente, como ao gerar novas áreas de negócio complementares para as empresas. Mas, tendo como ponto de partida a geração de retorno direto para o proprietário através da resolução de um problema, para já a única forma de ganhar dinheiro é com a produção de energia”, acredita Elsa Monteiro.

Avaliação dos riscos climáticos ainda não está na mentalidade do setor

Uma questão levantada pela Diretora de Sustentabilidade e ESG da Sonae Sierra é que “neste momento a avaliação dos riscos físicos e operacionais das alterações climáticas ainda não está na mentalidade da maioria dos operadores imobiliários. Na Sierra já o fazemos, e depois dessa avaliação implementamos uma série de medidas que visam, por um lado, mitigar os efeitos desses riscos e, por outro lado, aumentar a resiliência dos nossos ativos face aos mesmos. Mas, apesar das medidas de adaptação que controlamos e conseguimos implementar nos nossos edifícios, o que muitas vezes constatamos é que estas não são suficientes para mitigar a sua exposição aos fatores de risco, porque estamos muito dependentes das medidas que são implementados ao nível do entorno do ativo, a cargo de outras entidades externas, nomeadamente públicas”, lamenta. Além disso, diz ainda, “quando falamos com os avaliadores, todo o investimento que se faz em CAPEX irá reduzir o valor do ativo no ano em que investe, e enquanto isso não mudar os investidores serão penalizados duplamente” e, consequentemente, a sua ação no setor, pois “enquanto as avaliações não considerarem devidamente a sustentabilidade, o que inclui outros aspetos ao nível dos riscos a que o ativo está exposto, isso não incentivará os investidores a atuar”, afiança, defendendo que “os avaliadores têm de mudar a sua metodologia, atualizando-a”.

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