Digitalização

REVOLUÇÃO DIGITAL JÁ CHEGOU AO MERCADO PORTUGUÊS

A nova revolução industrial é digital e já chegou ao mercado imobiliário português; reforçando o foco no futuro, na melhoria contínua e no desenvolvimento sustentável, através da inovação.

Susana Correia 27 Janeiro 2022
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Profundamente interligada com a tecnologia, a inovação é o grande pilar que sustenta esta nova vaga, permitindo a criação de novas soluções que resultam numa maior otimização de recursos e dos processos pro-dutivos e, claro, na maior eficiência de custos e, ainda mais importante, em ganhos significativos ao nível da sustentabilidade ambiental.

Da construção à mediação imobiliária, passando pela arquitetura, en-genharia, consultoria, produção e desenvolvimento de materiais, pro-moção e aí fora… esta nova revolução industrial vem também dar um importante contributo para a resolução de alguns dos grandes desafios que hoje ameaçam a sustentabilidade do setor, e que vão bem além da questão ambiental: a escassez de recursos – materiais e mão de obra -; a agilização dos processos e a otimização de prazos, além do inevitável aumento de custos e da segurança.

Junte-se a nós neste dossier, e fique a conhecer alguns dos melhores exemplos de boas-práticas e do desenvolvimento sustentável baseado na inovação que já estão a ser implementados no mercado imobiliário português; representando um importante passo em frente rumo a um futuro não só mais digital mas, sobretudo, mais sustentável!

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Como se constrói a digitalização no imobiliário português?

Tardou, mas onda da digitalização chegou em força ao setor imobiliário português e já está a mudar a forma como se fazem negócios em toda a cadeia de valor deste mercado. Mais do que um caminho sem retorno, trata-se da única via possível para as empresas que querem vingar e prosperar no mundo digitalmente ativado de amanhã.

Num fenómeno que já estava em curso, mas que acabou por receber um forte “empurrão” da pandemia, quando falamos em “transformação digital”, não nos referimos apenas ao desenvolvimento de inovação, mas sobretudo à forma como a tecnologia daí resultante é usada como solução para a resolução de problemas do dia-a-dia do mercado imobiliário. E, é preciso também perceber que esta transformação digital implica uma certa mudança do ponto de vista social, no próprio mindset das empresas e dos profissionais do setor. Até porque, o consumidor também mudou e apenas com o recurso à tecnologia será possível dar resposta a uma procura cada vez mais exigente, que exige comodidade, agilidade nos processos e uma abordagem cada vez mais personalizada.

Um caminho sem retorno

Para as empresas que atuam nos setores da construção e do imobiliário «não há alternativa possível à transformação digital. E isto não se refere aos pequenos passos relativos à digitalização e à automação das suas atividades empresariais mas, sim, às grandes mudanças na forma como é gerado e retido o valor ao longo de toda a sua cadeia de valor», conclui o estudo «Buildings and Beyond», levado a cabo pela ILI Consulting AG em parceria com a Siemens Building Technologies e que analisa o impacto da digitalização e da Inteligência Artificial (IA) na automação dos edifícios, na construção e no imobiliário.

Em cerca de 75% dos projetos de grandes edifícios levados a cabo a nível mundial entre 2016 e 2019, verificou-se um atraso de mais de 10% na data de conclusão da obra face ao prazo inicialmente calendarizado. Além de que os edifícios – infraestruturas incluídas– são de grosso modo responsáveis pelo consumo de 40% da energia a nível mundial. Apresentados no estudo da Siemens e da ILI Consulting, estes números são ilustrativos do enorme potencial de inovação que existe nestes setores, com vista à sua otimização.

«Sendo um setor com processos muito enraizados, a adoção do digital para melhorar o tempo, custo, segurança e qualidade dos projetos tem sido lenta. No entanto, como em tantos outros setores, os primeiros a adotar novas tecnologias diferenciam-se e ganham vantagens competitivas que vão eliminando concorrentes menos ágeis do mercado. É por isso essencial investir no digital», afirma, por seu turno, de Luís Rosado, Partner da Ernst & Young para as áreas de Real Estate, Hospitality & Construction.

Admitindo que a construção e a engenharia se incluem entre os setores que mais tardaram em iniciar esta revolução digital, este especialista considera que «um fator crítico para a falta de investimento são as reduzidas margens de lucro dos projetos em comparação com a média de outras indústrias. Quando as margens de lucro são reduzidas, gastar em transformação digital e inovação pode parecer um investimento pesado – mas não investir em soluções que possam aumentar a produtividade é contraproducente», alerta, reconhecendo que «mesmo para as empresas que investem ativamente em digital, há muito trabalho a fazer».

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Uma estratégia de longo prazo suportada por market intelligence

Confirmando a velha máxima de que informação é poder, nesta rota da digitalização, os dados – ou, se preferirmos a agregação de informação por sistemas de market intelligence – assumem uma importância nunca antes vista nas estratégias das empresas; abrindo caminho para o desenvolvimento de um sem número de novas ferramentas e empresas imobiliárias de génese tecnológica, as chamadas Proptech.

O acesso a market intelligence, sistemas de análise de dados especialmente focados nos nossos mercados alvo, afigura-se como uma vantagem estratégica para as empresas que, assim podem não só conhecer melhor e mais detalhadamente os seus mercados, como passam a dispor de novas ferramentas que contribuem para melhorar significativamente todo o processo de decisão, começando pela avaliação, análise do risco e planeamento, passando pelos processos de arrendamento, compra e venda de ativos e de negociação. Tanto que a definição de uma estratégia de longo prazo suportada por dados foi identificada pela EY como um dos primeiros passos comuns às empresas que estão empenhadas em maximizar as suas hipóteses de sucesso neste futuro cada vez mais digital.

«Para além da procura dos resultados de curto prazo, é fundamental não descurar uma estratégia de longo prazo que assente em modelos de negócio que permitam criar valor de forma sustentada», começa por dizer Luís Rosado. Considerando que «a indústria tem assistido à entrada de novos concorrentes com abordagens disruptivas, mais agregadoras da cadeia de valor do negócio e alavancadas em tecnologia», o especialista diz que «o sucesso das empresas do setor dependerá da capacidade de integração das atividades da cadeia de valor do negócio, eliminando custos de distribuição desnecessários, aumentando a produtividade, controlando melhor os prazos de projeto e a qualidade final, alavancando o digital em todos os aspetos das suas operações para maximizarem o conhecimento que pode ser extraído desses dados, permitindo-lhes identificar novas oportunidades e ameças nas suas cadeias de valor».

A otimização das operações a partir de tecnologia e dados é outro dos passos da estratégia recomendada pela EY. Lembrando que a hoje em dia a tecnologia oferece múltiplas soluções às empresas do setor, Luís Rosado nota ainda que «novas fontes de dados estão a ser combinadas para dar aos gestores de projeto mais informações sobre as operações, com enormes vantagens». Assim, «as empresas devem procurar encontrar formas de criar, armazenar e sintetizar dados, mesmo que o seu valor aparente ainda não seja claro, e desenvolver uma estratégia para gerar informação analítica que permita eficiência operacional. Investir para renovar os sistemas de informação que permitam consolidar e integrar fluxos de dados, para permitir a transformação digital, será fundamental», conclui.

Os analistas da Deloitte, por seu turno, notam que «as empresas imobiliárias com capacidade para liderarem e se especializarem na análise avançada de dados, sejam próprios sejam adquiridos, irão colher os maiores benefícios. Valorizar as suas bases de dados com ferramentas adicionais de georreferenciação irá justificar a aplicação de técnicas analíticas poderosas, bem como um conhecimento profundo do setor. Tudo isto resultará em insights muito mais qualificados sobre um mercado que anteriormente não era tão bem compreendido ao nível do seu desenvolvimento, submercados, localizações e interdependências». Ou seja, o acesso a mais e melhor informação de mercado é encarado como uma vantagem competitiva, pois permite aos profissionais e empresas antecipar-se perante a concorrência. Um bom exemplo, referem estes consultores, são os novos modelos orientados por Inteligência Artificial (IA) que permitem uma microanálise geoespacial ao nível do endereço postal, na medida em que permitem aos profissionais «saber o que os outros não sabem», ao mesmo tempo que garantem «uma forma rápida, simples e acessível para obter projeções de rendas e uma transparência justificável».

Estas novas ferramentas georreferenciadas de microanálise que são para a Deloitte uma das grandes tendências atuais do setor, também já estão ativas e funcionais no nosso país, e desenvolvidas por talento nacional. É o caso do Micro-SIR, uma das mais recentes apostas da Confidencial Imobiliário (Ci), que com esta solução desenvolveu um sistema de informação residencial que permite aos seus subscritores obter informação detalhada de preços, tipologias e estados da oferta à escala do código postal.

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Tecnologia é arma na guerra pelo talento

Outra das grandes possibilidades (e vantagens) oferecidas ao setor pela digitalização prende-se com a atração e captação da força de trabalho, um aspeto que ganha uma importância ainda mais acrescida numa altura em que a escassez de mão de obra é assumidamente um dos maiores desafios que o mercado da construção e do imobiliário tem pela frente. «A guerra pelo talento é uma realidade global e um problema crónico no setor da construção», lembra Luís Rosado, da EY, sublinhando que «uma transformação digital bem-sucedida conduz à automatização de processos internos, que permitem libertar recursos para outros projetos que tragam valor acrescentado adicional».

E também neste ponto temos já bons exemplos vindos de dentro. É o caso, por exemplo, do grupo Casais, para quem a captação e retenção de mão de obra qualificada é um dos grandes vetores que orientam a sua estratégia de inovação digital. Com o desenvolvimento de soluções de construção off-site, através da BlueFab, o grupo está também a contornar o problema da escassez de mão de obra que afeta diariamente a sua atividade construtora, «conseguindo atrair para a linha de produção, recursos humanos que dificilmente iriam trabalhar num estaleiro de obras, incluindo mais mulheres e pessoas mais velhas», como explicou à VI, o coordenador de inovação e conhecimento do grupo, Pedro Lopes.

Da mediação tradicional a uma experiência 100% digital

Os constrangimentos e o confinamento subitamente impostos pela pandemia no início de 2020 também viriam a assinalar um verdadeiro marco na digitalização da mediação imobiliária, funcionando como um autêntico catalisador para um processo que embora já estivesse em curso acabou por avançar a passos de gigante num par de meses.

Impossibilitados de fazer o seu trabalho presencial, os profissionais e empresas do setor viram nas plataformas e ferramentas digitais a solução para poder continuar a fazer negócios, acelerando tanto o desenvolvimento de novas ferramentas que, hoje, passámos a ter disponível em Portugal uma autêntica experiência 100% digital no processo de mediação imobiliária. E, genericamente, passou a ser possível comprar uma casa à distância, fazendo todo o processo de compra ou venda através de um computador ou do smartphone, de forma fácil, cómoda e segura.

BIM e Construção 4.0

A crescente necessidade de edifícios e infraestruturas são outros dos grandes motivos que globalmente têm impulsionado a industrialização no setor da construção, abrindo caminho para uma versão 4.0 desta indústria produtiva, que assim procura também devolver uma resposta mais eficaz às urgentes necessidades de sustentabilidade e de poupança de recursos.

Uma das faces mais visíveis desta nova revolução industrial da construção é a construção off-site, ou, por outras palavras, pré-fabricada; que não sendo um conceito totalmente novo, veio conquistar um papel cada vez mais importante nesta era tecnológica. E razão acaba por ser simples, na medida em que hoje existem ferramentas digitais inovadoras ao dispor do setor que facilitam grandemente todo o processo de pré-fabricação. Basta pensar que o projeto e a construção podem ser totalmente estruturados e digitalizados a partir do BIM (Building Information Modeling), um sistema que permite uma representação precisa e integrada de um edifício em todo o seu ciclo de vida, permitindo que equipas multidisciplinares possam trabalhar em conjunto e de forma inteligente num único processo.

Embora este ainda seja um sistema facultativo e em em implantação no mercado português, os ganhos de eficiência decorrentes do BIM são cada vez mais evidentes, começando logo ao nível do planeamento dos projetos e licenciamento urbano, prolongando-se não só pela fase de construção, mas também pela fase operacional do imóvel até ao seu desmantelamento, se necessário; fazendo com que este seja eleito como uma das grandes novidades na base da transformação digital nos setores da arquitetura, engenharia e construção.

Assim se durante muito tempo o setor criticava a falta de flexibilidade da habitação industrializada, hoje a indústria garante que esta é uma dificuldade ultrapassada. «A habitação industrializada, muito modular, muito parecida, que não permitia nenhuma flexibilidade ao projetista já não existe. Hoje não é assim, pois temos tecnologia para industrializar a construção de forma a adaptar-se às exigências de qualquer arquiteto», garante Ávila e Sousa, Diretor Técnico e Marketing do Grupo Preceram.

Ainda que isto não seja algo propriamente inédito em Portugal, com várias empresas a apostar ativamente na industrialização da sua atividade, é preciso contudo reconhecer que o nosso país ainda está a bastante atrasado neste campo comparativamente a outros mercados internacionais. É o caso de Espanha, onde esta já é uma tendência em franco crescimento, com a industrialização da promoção imobiliária a seguir a bom ritmo encabeçada por empresas de referência como a Aedas Homes. Mas mesmo assim, e para que este segmento possa disparar verdadeiramente e tornar-se um produto cada vez mais competitivo face à construção tradicional, «são precisos que mais players se juntem, para que seja possível ganhar escala e reduzir custos», defende José María Quiróz, delegado de Industrialización da Aedas Homes.