Imobiliário comercial
À boleia da mudança dos hábitos de consumo que se foi afigurando desde a pandemia, e que tem no crescimento do e-commerce e do comércio de conveniência e proximidade dois dos seus vetores, quer o retalho organizado quer a logística vivem um momento de renovado interesse, quer do lado da ocupação quer do lado do investimento imobiliário.
E, os resultados do fecho de ano atestam-no, com um fortalecimento dos principais indicadores de performance em ambos os segmentos ao longo de 2024. E, se no caso dos centros comerciais, o investimento tem sido canalizado essencialmente para as transações de ativos existentes e em operação; no caso da logística o capital tem sido canalizado sobretudo para o desenvolvimento de novos projetos.
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Na reta final de 2024, Portugal foi palco de grandes movimentações no setor dos centros comerciais, com várias transações concluídas e outras na calha que estão a dar gás à atividade de investimento imobiliário no nosso país. E, a crer nos especialistas, este dinamismo vai continuar nos próximos meses.
Fortemente impulsionado pelos centros comerciais, o retalho é a classe de ativos líder no mercado de investimento imobiliário português em 2024, concentrando cerca de metade (49%) do volume transacionado até ao final de outubro, o equivalente a 656 milhões de euros, segundo os dados provisórios apurados pela Iberian Property. Um valor que, a crer na maioria das projeções, deverá crescer substancialmente até ao final de dezembro.
Este foi, aliás, um dos principais temas em cima da mesa no pequeno-almoço coorganizado pela Iberian Property e a Vida Imobiliária que, com o apoio da PLMJ, reuniu investidores e proprietários, gestores e consultores para um animado debate sobre o atual momento que se vive no mercado de centros comerciais em Portugal.
Lembrando que esta classe de ativos tem sido responsável pela captação de grandes volumes de capital estrangeiro para o nosso país em 2024, Carlos Récio, Senior Director A&T Services Retail da CBRE Portugal, afirma que o atual dinamismo na “transação de centros comerciais é um fenómeno ibérico”. “E esse apetite vai continuar, pois esperamos que até ao final do ano aconteçam pelo menos outras três transações de shoppings”, adiantou na ocasião Ricardo Regada Pereira, sócio e co-coordenador da área de imobiliário e turismo da PLMJ.
Lembrando que o investimento liderado por REITs cujo capital tem origem sul-africana é um dos que mais se tem destacado no atual momento, Carlos Récio reconhece que “existe efetivamente uma apetência destes investidores para este tipo de ativos, mas este é um fenómeno muito localizado na Península Ibérica e que é reflexo do sucesso dos centros comerciais ibéricos”. Isto deve-se em primeiro lugar ao facto de “os centros portugueses terem uma grande qualidade e um fortíssimo desempenho; e visto que este tipo de entidades tem grande experiência na gestão de shopping, algo que as distingue de outros investidores, estão confiantes que vão acrescentar ainda mais valor aos ativos através do seu know-how em asset management”, explicou Ricardo Regada Pereira.
“Em Portugal temos alguns dos melhores centros comerciais da Europa no que respeita a resultados operacionais e footfall, e isso deve-se à qualidade da gestão”, comenta Carlos Récio, realçando que “nos últimos anos, temos vindo a observar um crescimento consistente da renda média, que se está a aproximar cada vez mais da renda prime, que ronda atualmente os 90 €/m²”. Por isso, e visto que existem “vários ativos em comercialização em todo o país”, também o responsável da CBRE está confiante que “haverá mais transações nos próximos meses”.
“Continuaremos a assistir a bons negócios nos próximos meses”
Carlos Récio, Senior Director A&T Services Retail da CBRE Portugal
Para Nuno Nunes, CIO da Square Asset Management, “é importante perceber que o mercado de centros comerciais está efetivamente muito dinâmico, mas não é como se estivessem a chegar charters de investidores. Há aqui uma espécie de doping em relação ao desempenho deste setor enquanto classe de investimento, que se deve a uma conjugação específica de fatores”. Assim, explica, do lado da procura“em primeiro lugar, o que temos nesta fase é uma mão cheia de investidores com perfis que oscilam entre um core e o value add que estão ativamente à procura de oportunidades em Portugal e Espanha. E, curiosamente a maioria não só vem de fora da Europa como percebe do negócio de gestão de centros comerciais. Ou seja, quem está a dinamizar o investimento no setor não é típico fundo core europeu, mas sim players que além de perceberem do próprio negócio do ponto de vista operacional, também sabem que ao trazerem o seu dinheiro para a Europa estão a valorizar o seu capital. Depois, esta conjuntura também está a beneficiar de um terceiro fator, que é o facto de atualmente ser novamente possível financiar operações de investimento em retalho, tanto que temos assistido a financiamentos para tickets de 40 a 50 milhões de euros, por exemplo”.
Olhando para a oferta, Nuno Nunes nota que “alguns dos centros disponíveis só vieram para o mercado porque as taxas de juro demoraram algum tempo a descer, o que causou uma pressão adicional sobre os seus proprietários para vender”, ou seja, “se as taxas de referência tivessem corrigido mais rapidamente, alguns destes ativos de tier 2 e tier 3 agora vendidos não teriam chegado a vir para o mercado”, acredita.
Por fim, “outro fenómeno curioso a que temos assistido e que é positivo para o mercado, é que os centros comerciais regionais – que antes não eram ativos muito apelativos para os investidores - têm registado performances absolutamente extraordinárias face ao perfil dos consumidores daquelas localizações, com as rendas a duplicar em alguns casos!”, o que os tem tornado mais “vendáveis” que antes.
De acordo com Telmo Ferreira, “isto é algo que também pode ser explicado pela pandemia. Pois, se alguns ativos em centros urbanos estão mais negativamente afetados pelo aumento do trabalho híbrido, em contrapartida há outros ativos em localizações menos centrais cujo desempenho disparou”. Além disso, acrescenta Carlos Récio, “não podemos esquecer que nos últimos anos o nosso país ganhou mais 400.000 habitantes, e que essas comunidades estrangeiras não só estão a crescer em número, pois trazem as famílias, como estão a ganhar poder de compra, e na maioria das vezes vêm para ficar e consumir”.
“No mercado de centros comerciais, a Ibéria tem efetivamente uma performance superior face a outros países europeus, como a Alemanha, Polónia ou mesmo a França”, realça Luís Arrais, Property Director – Ibéria na Nhood, contando que “quando comparamos o desempenho entre os países onde estamos presentes, os mercados do Sul da Europa, incluindo a Itália, estão a funcionar muito melhor”.
Focando no portfólio da Nhood em Portugal, até ao final do 3º trimestre de 2024 “temos tido um crescimento de cerca de 5% no tráfego e de 8% nas vendas face ao ano passado, o que já representa um nível de atividade superior ao pré-Covid. A taxa de ocupação também tem vindo a melhorar, rondando os 98%”, revela. Resultados que, uma vez mais, vêm comprovar que “o mercado de centros comerciais português tem mostrado uma resiliência e uma capacidade de rápida recuperação perante períodos difíceis, que são rapidamente ultrapassados com uma melhoria muito evidente nos resultados. E, sem dúvida que isso é um grande chamariz e um forte argumento para atrair capital para este setor”, considera Luís Arrais.
“Esta dinâmica do mercado é muito positiva e, efetivamente, Portugal é hoje um mercado muito apetecível para investimento em centros comerciais”, concorda Telmo Ferreira, Head of Klepierre Management Portugal, revelando inclusive que “há já vários anos que não sentíamos tanto interesse do Board da Klepiérre em França pelo mercado português”.
“A indústria portuguesa de centros comerciais tem um nível de maturidade enorme”, acrescenta João Cristina, Country Head da Merlin Properties para Portugal. “Do lado da oferta, na última década não só não foram praticamente lançados novos projetos como ainda houve alguma destruição de stock, com a saída de ativos do mercado. Por outro lado, o nosso PIB tem crescido acima da média e temos uma economia muito assente no consumo privado e no turismo. Portanto, o setor tem uma performance operacional superior à de outros países também por influência deste enquadramento”, comenta. E, “se há alguns anos ninguém queria investir em shoppings, hoje o cenário é muito diferente, e é normal que mais investidores comecem a olhar para o setor com atenção”, diz, concluindo que “as perspetivas para os próximos anos são muito boas”.
“Além disso, “a segurança em Portugal ainda é um fator importante e que pesa na decisão de investimento, e creio que esse continuará a ser um argumento a favor do nosso país e que continuará a chamar capital para o mercado de shoppings em 2025”, considera, por seu turno, Ana Luísa Guerra, diretora jurídica e de recursos humanos da Widerproperty.
Partilhando o mesmo sentimento de mercado, Susana Marques, Leasing Country Manager da Sonae Sierra, frisa que “tudo isto é o fruto da muito boa gestão dos nossos centros comerciais, porque efetivamente temos conseguido transformá-los ao longo dos anos. E esta capacidade de adaptar os centros comerciais, de os transformar, para que sejam capazes de responder à transformação dos hábitos de compra, tem-nos obrigado a sair da nossa área de conforto do ponto de vista da gestão”, afirma.
Por exemplo, “com a pandemia aconteceram algumas mudanças que ainda impactam o desempenho do nosso portfólio. Os hábitos de compra mudaram muito depois do covid e, desde 2020 até agora estamos em plena transformação nesta indústria, com o lazer e os serviços a ganharem cada vez mais espaço no tenant mix”, observa a responsável da Sonae Sierra. Ainda assim, admite a responsável, um dos nossos dramas com este tipo de atividade é que não funcionam no mesmo tipo de horários das lojas e por vezes encerram ao domingo. E, visto que um dos grandes objetivos é tentarmos sempre dinamizar e trazer mais pessoas para um centro comercial, ou seja, que não haja espaços mortas e nem espaços que não tragam afluência de público durante todo o período de funcionamento de um centro, do ponto de vista da gestão isto coloca-nos novos desafios”.
Ana Lucia Guerra, da Widerproperty, acrescenta que “a instalação de atividades alternativas, como pop-ups, coworkings e centros de estética, para ocupar zonas “mortas” do mall e nas quais não era possível colocar um lojista tradicionais, foi uma alternativa muito importante em tempos de crise. Este tipo de valências teve o seu papel para a imagem do centro comercial continuar viva numa altura de crise, o que foi especialmente importante no caso dos centros mais pequenos, mas pouco a pouco têm vindo a perder relevância no contexto do shopping... Contudo, há outra tipologia de inquilinos mais qualificados, como as clínicas e a saúde, por exemplo, e essas sim vieram para ficar!”
Tudo isto realça a importância de um tenant mix dinâmico, como refere Telmo Ferreira, para quem “esta capacidade de readaptação e de responder às necessidades e desafios da nova lógica de consumo é, precisamente, o que distingue os nossos centros comerciais”. Basta pensar, por exemplo, no caso das grandes cadeias de retalho que “perceberam que uma estratégia de omnicanalidade não funcionaria se não houvesse uma rede de lojas a suportar a operação logística do e-commerce, encontrando uma vez mais no centro comercial a solução para responder a essa necessidade, pois além de estarem capacitados para suportar essa componente da operação do ponto de vista da área disponível, também têm uma capacidade para receber cargas e descargas que simplesmente não existe no comércio de rua. E, a prova é que muitos dos operadores que estão a fazer resizing das suas lojas hoje pedem-nos espaços de muito maior dimensão”
“Independentemente da sua localização, temos um grande desafio que é o de adaptar os centros aos novos hábitos de consumo”
Susana Marques, Leasing Country Manager da Sonae Sierra
Independentemente do seu uso, “não vale a pena termos um edifício muito eficiente energeticamente, se este não for capaz de responder aos riscos climáticos”, frisa Nuno Fideles, da Savills Portugal. E, visto que os desastres naturais causados pelas alterações climáticos serão cada vez mais frequentes, “temos de agir rapidamente”, avisa.
Lançada em 2024, a Athena Commercial já representa cerca de metade do volume de negócio da Athena Advisers em Portugal, fechando 40 milhões de euros em operações de investimento. “A meta foi atingida com sucesso e as perspetivas para 2025 são ainda mais animadoras”, afirma o diretor-geral, David Moura-George.