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Novos modelos de living conquistam a promoção imobiliária

Os novos modelos de living, onde os serviços e amenities acrescentam valor à componente residencial, estão a conquistar terreno na promoção imobiliária em Portugal que, para mais, encontra nestas soluções uma alternativa para dinamizar o arrendamento, ao garantir mais flexibilidade e segurança aos investidores.

Susana Correia 16 Junho 2025

A 15 de maio, com o apoio da Schneider Electric, DILS e Morais Leitão, a Vida Imobiliária reuniu à mesa do pequeno-almoço uma dúzia de especialistas no mercado português para uma reflexão conjunta sobre “Investir em habitação no século XXI: os novos desafios”. No final, a conclusão era evidente: hoje os desafios que se colocam no mercado residencial são bem diferentes dos do passado, obrigando a fileira da promoção imobiliária está a reinventar-se para lhes fazer frente e, assim, abrindo caminho para novas tipologias quer de investidores quer de produtos, com foco crescente na flexibilidade e em serviços de valor acrescentado.

Esta mesa espelha bem aquele que é o caminho de futuro do setor da promoção imobiliária. Como do ponto de vista legislativo tem sido difícil e moroso implementar as medidas necessárias para desbloquear a produção de habitação acessível, dificultando a viabilização desse tipo de projetos; o setor está a contornar esses problemas, com aparecimento de modelos alternativos ao produto residencial tradicional. Por isso estamos a ver agora o ressurgimento do setor cooperativo ou a emergência de projetos de flex-living, que já é uma tendência muito forte em Espanha e que merece muita atenção em Portugal; tal como uma maior procura por fontes alternativas de financiamento para os projetos”, sintetizou o presidente da APPII, Hugo Santos Ferreira.

O setor residencial tem mostrado uma enorme capacidade de se ajustar aos diferentes ciclos por que tem passado. Embora teoricamente devesse ser um negócio muito simples, baseado na produção de casas para vendas ou arrendar; na prática teve de se complexificar e reinventar de forma criativa, dando espaço ao surgimento de novos modelos como o flex-living, por exemplo, de modo a poder fazer frente aos desafios que tem pela frente”, os quais surgem “como uma resposta às perturbações no mercado de Alojamento Local e no arrendamento”, comentou, por seu turno, o diretor da Confidencial Imobiliário (Ci), Ricardo Guimarães.

Investidores apostam em alternativas ao arrendamento tradicional

Segundo os últimos dados do Índice de Rendas da Ci, as rendas residenciais têm estado a baixar nos últimos dois trimestres em Lisboa e no Porto. “A notícia aparente é que estão a baixar. Mas o paradoxo é que esta é a primeira vez que o forte incremento que houve no lado da oferta nos últimos anos não se está a refletir numa redução substancial do valor das rendas. Ou seja, há uma dificuldade do mercado em baixar as rendas em função do crescimento da oferta disponível”, realça Ricardo Guimarães. Desta forma, advoga, “o mercado de arrendamento hoje está mais atrativo, pois do ponto de vista do investimento e da reafectação de imóveis, em termos de margem bruta já é mais rentável colocar um imóvel para arrendamento urbano do que para exploração em Alojamento Local”.

Com o objetivo de tornar o portfólio mais resiliente às crises, o The Edge Group segue uma estratégia de diversificação “e, como tal, temos sempre algumas unidades residenciais para arrendamento. No entanto, nos projetos mais recentes temos vindo a apostar mais numa lógica de flex-living no que respeita ao arrendamento, o que do ponto de vista jurídico não se enquadra no regime do arrendamento urbano, mas sim no do arrendamento turístico”, conta o CEO, José Luís Pinto Basto. São “unidades que não estão vocacionadas responder à necessidade de habitação própria permanente, mas sim para estadias de média duração, geralmente de até um ano” e, uma das razões para esta aposta prende-se com a questão da mobilidade, já que “muitos dos cidadãos estrangeiros que vêm para Portugal preferem arrendar durante algum tempo antes de tomar a decisão de investir ou não num imóvel”, explica.

Além disso, “a forma como as novas gerações encaram a compra de uma casa é diferente de antes e, como tal, o arrendamento pode ser interessante para quem procura mais flexibilidade”, afirma a administradora da AM48, Francisca Martins. Por isso mesmo, revela, “estamos a equacionar incluir ambas as vertentes nos nossos empreendimentos, colocando edifícios no mercado de arrendamento puro e duro, de longo prazo; mas alocando outros à vertente hoteleira, com apartamentos turísticos”.

Para Luís Vaz Pereira, responsável pela Área Técnica de Promoção Imobiliária no Millennium bcp, isto a que estamos a assistir não é mais que “o mercado a funcionar”. Temos os investidores que “querem confiança e estabilidade, e que não encontram isso no mercado de arrendamento tradicional”, ao mesmo tempo que existe “uma pressão da procura por este arrendamento mais flexível, associado a uma componente de serviços, à qual, como sabemos, o investimento irá responder”, considera. No entanto, e embora “os apartamentos turísticos cumpram os requisitos de sustentabilidade e rentabilidade dos investidores, até aqui ainda não temos assistido a muitas operações de pedidos de financiamento para este tipo de produto por investidores core, que desejam adquirir edifícios inteiros. O que temos assistido é sobretudo a compra de unidades pulverizadas”, reconhece.

Serviços agregam valor ao produto da nova geração

Confirmando o crescimento da procura por projetos residenciais, a arquiteta Margarida Caldeira, Head da Broadway Malyan Portugal, frisa que “hoje em dia, o produto residencial já não é como o que se fazia há alguns anos, pois cada vez mais implica também uma componente de serviços”, como é o caso, por exemplo das branded residences, e um mix de tipologias que permita combinar uma componente de arrendamento de longa duração com outra mais vocacionada para estadias por curtos períodos.

A alteração no perfil de clientes internacionais que nos chegam também obriga a mudanças no tipo de casas que produzimos”, considera Hugo Santos Ferreira, lembrando que há uma nova vaga da procura, liderada por brasileiros e norte-americanos, que ambicionam casas muito maiores do que o que estamos habituados na Europa, e que praticamente não existem no nosso país. “Por isso, o crescimento das branded residences, que trazem associados serviços de hotelaria, poderá ser um trade-off necessário para captar esses clientes, que estarão dispostos a abdicar de algum espaço para ter acesso aos serviços hoteleiros de topo”, acredita o presidente da APPI.

Cooperativas estão de volta, liberalizando a promoção

Entretanto, as cooperativas de habitação ganharam um dinamismo renovado. “Há uma grande diferença entre as cooperativas que operaram nos anos 90 e as que estão a surgir hoje, que são muito mais profissionalizadas”, começa por notar José Cunha Rebelo, sócio e fundador da Co-Op Homes, a qual atua como “promotora de cooperativas, prestando serviços de promoção imobiliária a investidores que, no nosso caso, são os cooperantes”, explica o sócio, Frederico Almeida Carvalho.

Formalmente, “cada cooperativa é um SPV, cuja vida útil é a do projeto” nota Frederico Almeida Carvalho, contando que “tem sido bastante rápido juntar as pessoas para os nossos projetos”. Em contrapartida, “uma das principais dificuldades que temos enfrentados é convencer os proprietários dos terrenos a aguardar até que tenhamos reunidos todos os cooperantes para o projeto, pois só fechamos a compra quando temos todos os investidores confirmados”, reconhece. Quanto ao perfil investidor, na Co-Op Homes tipicamente “50% dos cooperantes compram para habitação própria, 25% que compram para arrendar e 25% que compram para revender”, detalha o responsável.

Na leitura de José Luís Pinto Basto, “com as cooperativas estamos a criar um setor de micro promotores imobiliários, em que os cooperantes assumem o risco da promoção”. “É a chamada liberalização da promoção imobiliária”, afirma, por seu turno, Hugo Santos Ferreira.

Visto que o cooperante é o investidor, este é um modelo em que praticamente não há risco comercial”, realça Luís Vaz Pereira. Por isso, no Millennium bcp “já estamos a financiar cooperativas”, num processo em tudo semelhante de um projeto de promoção tradicional, em que “valorizamos o capital próprio do projeto, geralmente já aplicado no terreno, bem como o track record da entidade que faz a gestão do projeto. A novidade, é que depois analisamos também qual a capacidade dos cooperantes em cumprir as suas responsabilidades”, explica.

Comparativamente à promoção imobiliária tradicional, “a vantagem é que o projeto já está totalmente vendido quando vamos pedir o financiamento”, diz José Cunha Rebelo. Além disso, “temos uma estrutura societária que protege os cooperantes face ao incumprimento de outro participante, pois quem no momento da escritura não tiver cumprido com as suas obrigações, perde direito quer ao imóvel quer ao capital já investido, e aquele imóvel será então colocado junto de outro investidor. E, num projeto que à partida já está a ser comercializado a valores 20%- 25% abaixo da média do mercado e que arranca já com uma fatia de 30%-35% em capitais próprios, seria preciso uma hecatombe para que não encontrássemos outro comprador para uma casa neste pressuposto”, afirma o fundador da Co-Op. Além disso, “só olhamos para lotes, pois não corremos o risco administrativo”, acrescenta o sócio, Frederico Almeida de Carvalho.

Um modelo atrativo, mas que não responde à maioria

As cooperativas são um modelo muito atrativo, mas que implicam que as pessoas tenham 30% a 50% do valor daquela em casa em capitais próprios, para as comprarem”, o que acaba por ser um fator demovedor para a maioria da procura, considera Pedro Barreto, Head of Residential Development da DILS. A seu ver, “a emergência destes veículos tem muito a ver com o movimento de saída dos promotores a que assistimos na última década”, mas também porque “hoje temos no mercado um perfil de investidores que simplesmente não olham para projetos com 20 ou 30 apartamentos, pois precisam de escala”. Neste último caso, embora mais caros, os projetos produzidos também são “menos intensivos no que respeita aos requisitos de investimento durante a fase de construção”, exigindo “uma entrada de apenas 10% a 15% durante a fase de construção”, frisa o responsável da DILS; algo que é extremamente importante para o público a que se destinam: a classe média-alta portuguesa. Além de que “quando a maioria das pessoas decide mudar de casa, tem a pressão de vender a casa atual para poder comprar a nova, ou seja, não tem capacidade financeira para esperar o tempo necessário ao desenvolvimento de um projeto de A-Z”, remata.

Tal não significa, contudo, que a venda em planta não seja uma opção popular no mercado português; pelo contrário. “Temos muitos investidores que compram casas em planta com o intuito de as arrendar, alguns dos quais acabam por as revender sem chegar a colocar no arrendamento pois, assim, conseguem um retorno bastante atrativo e muito mais rápido”, diz Pedro Barreto. Por exemplo, embora a construção ainda esteja a decorrer a todo o vapor, o The Edge Group tem já vendidos 50% dos 237 apartamentos do seu novo empreendimento em Setúbal, com preços a rondar os 3.700 €/m². Neste caso, “com o CPCV é pago 10% do valor total da casa; havendo lugar ao pagamento de mais 10% um ano depois e dos restantes 80% no momento da escritura” detalha José Luís Pinto Basto, sublinhando que esta estrutura “permite que os compradores possam dispor de menos capitais próprios para garantir o seu apartamento”. Na AM48 “como tipicamente, 80% das vendas em planta são feitas a investidores; para evitarmos a concorrência interna, existe uma cláusula que só permite que estes cedam a sua posição na casa a partir do momento em que aquela tipologia esteja toda vendida no empreendimento”, conta, por seu turno, Francisca Martins.

Um novo olhar sobre a periferia

Outra tendência marcante nesta nova vaga da promoção imobiliária é a deslocação do investimento para as periferias das grandes cidades. “Muitas das vezes a barreira da distância é mais psicológica do que real”, considera Francisca Martins, notando que “está a haver uma transformação na forma como as pessoas olham para as zonas periféricas”. Por exemplo, “na Grande Lisboa, Loures é um dos concelhos que neste momento está mais quente e que está a criar localização, com muitos projetos novos e a nova linha de metro”, acolhendo, entre outros, o novo projeto de 400 fogos que a AM48 está a desenvolver em Santo António dos Cavaleiros. “As zonas da periferia sempre foram olhadas como dormitórios, mas queremos também criar ali serviços para isso não se coloque e para os novos residentes não tenham tanta necessidade de vir a Lisboa”, garante a administradora.

Quando analisamos oportunidades de investimento, somos agnósticos em termos de localizações. O que nos interessa é que as contas daquele projeto fechem”, garante José Luís Pinto Basto, que tem um investimento já a decorrer em Setúbal.

Industrialização majora eficiência e sustentabilidade

A construção industrializada continua a ser olhada pelos profissionais como a principal solução para criar mais oferta de forma mais rápida, e com custos mais reduzidos. A escala e a implementação ainda são um desafio, mas, seja como for, Margarida Caldeira acredita que “a tendência é realmente a construção industrial e a modularidade, pelo que o construtor já começa a entrar mais cedo no projeto”.

Nas cooperativas, a industrialização ainda não é completamente viável, pois “muitas vezes não podemos trabalhar de raiz, e isso faz com que seja difícil ganhar eficiência em termos de preço e poupança de tempo, até porque o residencial é o segmento com maior complexidade. Estamos a insistir, mas ainda não conseguimos que seja viável, devido à necessidade de escala. Mas sabemos que é incontornável”, afirmou José Cunha Rebelo.

A eletrificação também tem o seu papel nesta transição para habitações mais sustentáveis. Cláudio Costa, responsável pelo canal de arquitetos e promotores imobiliários da Schneider Electric, referiu que “vemos a eletrificação como uma boa oportunidade de negócio, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade. Na habitação, temos vindo a trabalhar para fornecer cada vez mais ferramentas para que os projetos sejam mais digitais, e sabemos que não podemos ser insensíveis à questão dos custos, pelo contrário. Criamos soluções para que promotor consiga atuar com um custo relativamente baixo, e permitir que os projetos vão sendo enriquecidos à medida que evolui a própria maturidade do mercado”.

E, embora as certificações em sustentabilidade ainda não sejam obrigatórias, os promotores sabem que é uma questão de tempo e, por isso, estão a fazer-se ao caminho. A AM48 suporta custos adicionais de 20% a 30% para ter certificações específicas nos seus projetos, que “daqui a algum tempo, serão obrigatórias para nós. Queremos começar a incluí-las nas nossas obrigações diárias, mais vale ter tudo implementado antes de passar a ser obrigatório”.

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