Sustentabilidade
Apesar de já não restarem dúvidas da necessidade de tornar as atividades humanas mais sustentáveis, os especialistas do mercado imobiliário acreditam que é pela via legal que as grandes mudanças poderão ser mais eficazmente implementadas, pois caso contrário a maioria dos seus decisores pareceria não estar ainda suficientemente sensibilizada para a urgência da sua ação.
Esta é uma das principais ideias extraídas do primeiro pequeno-almoço debate de 2023 promovido pela Vida Imobiliária e aCushman & Wakefield, que a 1 de fevereiro reuniu em Lisboa uma dezena de especialistas sob o mote «Sustentabilidade: como criar um mercado imobiliário à prova de futuro?».
Como notou Marta Esteves Costa, Investor Relations Director da Norfin, embora o cumprimento dos critérios de sustentabilidade já seja «um dado adquirido» para os investidores internacionais, «em Portugal não há ainda essa preocupação» de forma tão vincada. Atualmente, em se tratando de projetos desenvolvidos de raiz «um dos grandes desafios que enfrentamos é convencer o investidor das vantagens de investir um pouco mais à cabeça, mostrando-lhe que esse esforço será amplamente compensado em fase de operação. Contudo, esse deságio é muito amplificado em se tratando de projetos de reabilitação de ativos existentes, pois existem casos em que devido à fraca qualidade dos edifícios quando vamos calcular o investimento adicional necessário para os tornar totalmente sustentáveis, as contas simplesmente não fecham».
Diogo Abecassis, Co-Founder e Managing Partners da MAP Engenharia, lamenta que continuem a haver donos de obra que ainda optam pelas soluções mais tradicionais, mesmo quando há alternativas que não só são mais sustentáveis do ponto de vista ambiental como também são, muitas das vezes, mais eficientes em termos de custos e outros constrangimentos de produção. Por isso, a «legislação específica seria útil para acelerar estes investimentos» em prol da sustentabilidade, acredita.
A chegada da nova Diretiva Europeia sobre a Eficiência Energética dos Edifícios, em finalização e que trará um novo conjunto de regras a aplicar à atividade, deverá ser uma “ajuda” para acelerar este processo, acredita o presidente da ADENE, Nelson Lage, que espera que a transposição deste documento seja mais célere que o da versão anterior. «É uma diretiva mais ambiciosa nas suas metas, a Europa e o ambiente assim o exigem», diz, lembrando que as novas regras vão entroncar com a Estratégia de Longo Prazo de Renovação dos Edifícios (ELPRE), já em vigor desde 2021, com grande foco na reabilitação de edifícios e que prevê investimentos em 3,8 milhões de casas a precisar de melhorias.
A Comporta é um dos locais onde este caminho da sustentabilidade na construção promete ser mais evidente e disruptivo. Com vários projetos em curso naquela zona alentejana, «o tema da sustentabilidade para nós é crítico», garante o diretor-geral da Vanguard Properties, José Cardoso Botelho, adiantando que «todos os projetos da Comporta terão uma pegada ambiental reduzida e, para tal, terão a industrialização como chave».
«Um dos temas mais radicais foi a escolha dos métodos construtivos», lembra o responsável, contando que ao optar por construir em madeira a Vanguard decidiu também privilegiar a utilização de matéria-prima portuguesa e, em especial, a criptoméria dos Açores. Reconhecendo que ainda existe a necessidade de desconstruir a ideia de que algumas soluções construtivas alternativas são menos duradouras que a construção tradicional em alvenaria, José Cardoso Botelho revela que «o que estamos a fazer na Comporta é aumentar cada vez mais a pressão para que ali dominem as opções construtivas o mais sustentáveis possível, com um claro domínio da madeira, e o nosso objetivo é que a médio prazo quem ali decida investir numa construção nova em alvenaria seja olhado de lado».
Mas, para poder criar aquele que «será certamente o empreendimento mais sustentável alguma vez feito em Portugal e, provavelmente, na Europa», a Vanguard teve «de dar este passo de investir em indústria», admite. «Não só comprámos praticamente todo o stock da madeira em questão disponível nos Açores, como estamos lá a investir numa serração e fábrica própria, que irá transformar toda a madeira comprada e depois a enviará diretamente para o local da construção. É a primeira vez que um promotor imobiliário em Portugal investe em industrialização. Antes nunca tinha acontecido simplesmente porque não tinha sido necessário», afirma José Cardoso Botelho.
No caso da Vanguard, «tivemos de dar este passo de investir em indústria porque não queremos vender lotes para que cada proprietário possa ali desenvolver o que quiser, mas sim vender produto imobiliário finalizado, de modo a garantir esta pegada ambiental reduzida e a harmonia no empreendimento. E, a verdade é que hoje, graças à digitalização e ao investimento em indústria robotizada e em BIM, um cliente que queira adquirir uma casa promovida por nós, poderá dirigir-se ao nosso showroom e partilhar quais as suas necessidades e aspirações, de modo que com o apoio de software conseguimos criar-lhe um plano 3D com um projeto muito detalhado e já com todos os custos orçamentados, apresentando um preço final de venda e prazos de produção exato, ou seja, com todos os elementos que são necessários para fechar um contrato promessa de venda».
Plenamente convicto que «a industrialização é o único caminho que um promotor com a nossa dimensão pode seguir», o diretor-geral da Vanguard defende que este aproveitamento da tecnologia não vem “roubar” trabalho, pelo contrário: «todos continuam a ter o seu negócio, mas o projeto é muito mais rápido e mais sustentável, e provavelmente todos receberão o seu dinheiro mais rapidamente».
Uma visão partilhada por João Crispim, ESG Manager e Project Development Manager no Grupo Casais, que acrescenta ainda que «um dos grandes desafios que temos pela frente é o de mostrar aos arquitetos que a industrialização da construção não significa o fim da criatividade!», ela vem sim, «maximizar a capacidade multiplicadora». Tendo em conta que «mais de 99% da estrutura do setor da construção é composta por PMEs, outro desafio que temos pela frente é a de conferir escala à industrialização da atividade», diz ainda este responsável. «Nas empresas pequenas a capacidade de investir em inovação também é muito mais limitada, e isso condiciona a forma como a inovação é empurrada para o mercado. Por isso, há também aqui a necessidade de estimular um modelo mais colaborativo entre os diferentes intervenientes na fase de projeto e construção».
Ainda que «a capacidade instalada para responder a estes desafios ainda esteja a ser criada», João Crispim realça que «o aumento de produtividade na indústria tem vindo a aumentar, e isso faz uma grande diferença. Tudo o que é feito em fábrica e montado no local, desde que pensado, pode ser também desmontado, é possível usar tudo novamente. A construção e montagem não só é muito mais rápida como promove a economia circular e reduz o desperdício, e estamos a falar de poupanças carbónicas à volta dos 60%». Convicto que «a industrialização é a pedra angular» do setor e a solução para tornar o imobiliário mais sustentável, o ESG Manager e Project Development Manager no Grupo Casais, nota ainda que esta solução tem a vantagem adicional de ser mais inclusiva e atrativa do que a obra do ponto de vista da captação de recursos humanos. «Só há futuro no imobiliário se este for sustentável. Isto é claro para nó e investimos neste sentido, pois acreditamos que a industrialização não é só um caminho de diferenciação, mas também a via para aportar maior valor à sociedade», conclui.
«Enquanto não separarmos a sustentabilidade do tema ideológico é muito mais difícil alavancar a aposta do investimento neste campo, mas o caso muda radicalmente de figura quando começámos a falar das vantagens e desvantagens associadas ao nível do financiamento», comenta ainda Marta Esteves Costa.
Ana Luísa Cabrita, Head of Sustainability & ESG na Cushman & Wakefield
E o facto é que com a entrada em vigor da Taxonomia Europeia, muito vai mudar na concessão de financiamento por parte da banca, que será cada vez mais orientado para apoiar ativos e projetos sustentáveis, que irão beneficiar de condições bonificadas, em detrimento daqueles com maior pegada ambiental, que serão penalizados. É um «novo paradigma de “rating” que vai obrigar a uma mudança de mentalidades», reconhece Sandra Augusto, Head of IFRRU Team e Corporate Real Estate do Santander.
Na verdade, recorda esta responsável, atualmente «o Banco Central Europeu já obriga os bancos a sinalizar que tipo de ativos e projetos têm em carteira, detalhando tudo o que é green finance e o que é Brown finance, e é muito importante mudar as mentalidades». O Santander, por exemplo, já não financia operações novas sem a entrega dos pré-certificados, embora se sinta ainda «uma grande resistência» por parte dos clientes em fazê-lo. Mas, Sandra Augusto está convicta de que «tudo será diferente quando as pessoas perceberem que têm uma majoração nos empréstimos que forem mais sustentáveis».
Para Nelson Lage, Presidente do Conselho de Administração da ADENE, a grande preocupação atual prende-se com a renovação de edifícios, ainda muito aquém do desejável, mas no bom caminho.
Em finalização está a nova Diretiva Europeia sobre a Eficiência Energética dos Edifícios, que trará um novo conjunto de regras a aplicar à atividade, cuja transposição a ADENE espera que não demore tanto como a anterior diretiva. «É uma diretiva mais ambiciosa nas suas metas, a Europa e o ambiente assim o exigem», diz Nelson Lage, que explica que «vai trazer novidades ao nível do certificado energético e introduz novas componentes tecnológicas».
Recorda que estas novas leis vão entroncar com a Estratégia de Longo Prazo de Renovação dos Edifícios, já em vigor desde 2021, com grande foco na reabilitação de edifícios e que prevê investimentos em 3,8 milhões de casas a precisar de melhorias.
Por outro lado, lembra que «um dos grandes desafios para cumprir as metas que temos até 2050 é aproveitar os fundos do PRR, eles é que vão alavancar o investimento privado. É muito importante aproveitar estes fundos, promover projetos e iniciativas para mostrar que a industrialização da construção é positiva, e fazer do financiamento verde uma realidade para todo o setor, dando mais informação ao consumidor, e criando maior articulação entre os players e associações do setor».