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Habitação: fundos imobiliários querem fazer parte da solução

A importância dos fundos imobiliários no panorama do investimento imobiliário e na mitigação da crise da habitação esteve em destaque na conferência organizada pela APFIPP a 18 de novembro, no auditório Santander, em Lisboa.

Ana Tavares 04 Dezembro 2025

A conferência “Fundos imobiliários: uma solução para a poupança e para a habitação” arrancou com as boas-vindas a cargo de Miguel Belo de Carvalho, administrador do Banco Santander, comentou que “o perfil da nossa economia ainda é muito conservador, nomeadamente em termos de poupanças. Este debate é uma grande oportunidade para reunir governantes, agentes do setor imobiliário, financeiro, consultores e outros profissionais para discutir estes temas”.

João Pratas, presidente da APFIPP, identificou que “a habitação acessível é um problema que temos em mãos em Portugal, e não há uma bala de prata para resolver o problema. Por isso é tão pertinente discutir este tema”.

Agenda do Governo “é muito clara: mais oferta, mais casas”

Na abertura do encontro, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e da Habitação, marcou presença para destacar o “momento absolutamente crítico que vivemos” em que “o problema da habitação toca a todos”. Assumiu que a agenda do Governo “é muito clara: mais oferta, mais casas”, seja através de investimento público direto com financiamento do PRR, seja “acudindo às situações a que o mercado não consegue responder. O Estado tem de ser interveniente, e não apenas regulatório”.

O Governo está também a tomar medidas para que haja mais previsibilidade e segurança no mercado, ao nível da fiscalidade mas também da justiça, para atrair os proprietários para o mercado de arrendamento. Pinto Luz prometeu um novo NRAU que simplifique os processos de despejo por incumprimento, contando com o Fundo de Emergência da Habitação para as situações mais complicadas.

No que diz respeito aos contratos de investimento, para parcerias público-privadas de construção de habitação acessível, remeteu novidades para depois do período da discussão do Orçamento do Estado, o que é igualmente válido no caso das alterações ao RGEU ou das novidades que o Governo prepara para as heranças indivisas.

Sobre a anunciada redução do IVA de 23% para 6% na construção de habitação a custos moderados, recordou que “queremos que a redução entre em vigor em retroatividade à decisão do Conselho de Ministros, para que não haja imprevisibilidade”.

Seja como for, o ministro está certo de que “nenhuma destas medidas terá efeito individualmente. Mas em conjunto, com os portugueses, a construção, os arquitetos, os engenheiros e as autarquias a quererem ir a jogo, penso que vamos conseguir amortecer esta crise, dar mais esperança às novas gerações, garantir que possam também escolher o nosso país para implementar os seus projetos. É esse país que estamos empenhados em construir”.

Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e da Habitação
Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e da Habitação
“Investir não pode ser um privilégio de poucos, tem de ser aberto a todos”

Maria Luís Albuquerque, comissária dos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, participou em vídeo neste evento, dando nota na sua mensagem da “necessidade de transformar poupança em investimento e investimento em prosperidade duradoura”. Recordou que “a Comissão Europeia tem trabalhado intensamente” num novo projeto da União da Poupança e dos Investimentos, através do qual se pretende “canalizar melhor a poupança europeia para projetos produtivos, aproximá-la dos mercados financeiros, apoiando a sustentabilidade e a competitividade das nossas empresas”. Porque “os europeus continuam a ter grande parte da sua poupança parada ou com baixo retorno”. Está também em curso uma proposta de reforma da titularização e uma nova estratégia europeia de literacia financeira. “Investir não pode ser um privilégio de poucos, tem de ser aberto a todos”, concluiu.

Fundos imobiliários portugueses querem atrair mais capital de investimento

A primeira mesa-redonda de debate, moderada por António Gil Machado, diretor da VI, foi dedicada ao tema “A estratégia para investidores institucionais e pensões”. Na sua intervenção introdutória, Maximilian Eves-van den Akker, Global Real Estate Solutions Director da Schroders Capital, destacou que “os custos de construção estão a pressionar o mercado, mas o imobiliário está bem posicionado para fazer face à inflação. Os materiais estabilizaram, mas continuam cerca de 50% acima dos níveis de 2020, e os custos para os promotores são maiores, o que leva a prémios de risco mais altos, mão-de-obra mais cara, e fica mais difícil desenvolver alguns tipos de produto”.

De qualquer das formas, “os fundos e os investidores estão a alocar capital a vários setores até agora considerados ‘alternativos’". Já os Asset Managers “estão a ficar cada vez mais especializados e profissionalizados”, sabendo que “os serviços e as amenities estão a fazer a diferença no investimento imobiliário, e os escritórios são bom exemplo disso. Já não bastam só edifícios e mesas”.

Yassine Berkane, Managing Director da Tristan Capital Partners, testemunhou que a empresa angaria capital em toda a Europa, e valoriza “um mercado estável. Sabemos que Portugal se está a nivelar com outros mercados, e se tivermos 27 países com regras comuns para investir, claro que o país não fica excluído”.

Os escritórios portugueses, em particular, “são um mercado bastante diferente de outros países, a performance é ótima em comparação, assim como o mercado residencial. Identificamos um crescimento contínuo e vemos mais investimento a chegar, mas o mercado não é muito grande e tem só 10 milhões de pessoas, esse será sempre o limite”.

Pedro Seabra, Senior Partner da Refundos Explorer defende que “os vários veículos de investimento servem o propósito de ajudar investidores diferentes com objetivos diferentes”, e que todos têm o seu lugar no mercado. Recorda que “com o aparecimento dos fundos de investimento fechados, a atividade esfriou, e criaram-se relações difíceis com este tipo de fundos. E também os fundos abertos foram muito instrumentais para alguns grupos financeiros, por isso os institucionais afastaram-se um pouco dos fundos e começaram a investir mais diretamente. Mas nós queremos recuperar essa visão, os investidores (também) devem colocar o seu dinheiro nos fundos imobiliários portugueses”. Até porque “70% do dinheiro da Europa está em depósitos bancários, e temos de mostrar às pessoas que temos instrumentos interessantes, veículos regulados e transparentes, que dão confiança aos investidores”.

O mercado de investimento português parece estar um pouco em contraciclo em relação a outros países europeus. Pedro Seabra afirma que “há mercados ligeiramente deprimidos, o que faz com que haja uma perceção de risco em certos mercados que não têm nada a ver com o que se passa em Portugal. É certo que com a guerra o investimento institucional ficou mais hesitante, e as yields subiram, mas a procura é tão grande que a prime rent em Portugal foi dos 22 aos 32 euros nos últimos anos”, exemplifica. “Ainda precisamos de mais dimensão de promoção e de investimento, e por isso faz muito sentido investir em OIC”.

Inês Drumond, vice-presidente da CMVM, defendeu a importância da estabilidade regulatória. “Nós tentamos antecipar ao máximo as alterações futuras, é um desafio que temos, que não é fácil, pois há muita legislação que não depende da CMVM, vem da Europa. Acredita que “o novo regime de gestão de ativos não tem sido um entrave, muito pelo contrário, as alterações feitas vieram flexibilizar muito o processo”.

Destacou também que “muitas medidas de fomento do mercado de capitais têm mais sucesso quando há algum incentivo associado, como benefícios fiscais, que até podem ter um impacto orçamental momentâneo, mas o retorno é sempre muito maior a longo prazo”.

De qualquer forma, acredita que “os regulamentos atuais são suficientemente flexíveis para acolher este tipo de investimento com bom funcionamento de mercado, e temos bons números dos últimos anos”.

Arrendamento é uma oportunidade de investimento a melhorar

Foi mote do segundo painel da conferência o tema “Fundos imobiliários como resposta à crise habitacional”. A mesa-redonda, moderada por Frederico Arruda, membro da Direção e presidente da Comissão Consultiva dos Fundos de Investimento Imobiliário da APFIPP, convidou José Luís Cunha, jurista e adjunto da secretária de Estado da Habitação, para quem “a boa notícia é que 70% das famílias tem casa própria, com uma prestação média baixa. Isso é um bom sinal dado o aumento dos preços da habitação, mas compromete a situação de todos os que estão agora a tentar entrar no mercado, para arrendar ou para comprar. Há uma falta estrutural de confiança no arrendamento, e pouco ou nenhum investimento na produção de habitação para arrendamento, que é mais difícil, por causa dos períodos de retorno, por causa do risco, dos períodos de financiamento. É preciso mais oferta e sobretudo simplificar o arrendamento”, defende.

Francisco Sottomayor, Chief Executive Officer da Norfin, afirma que “para nós, o arrendamento é claramente uma oportunidade, e o Build to Sell também”. Avançou que a empresa está a fazer dois projetos de habitação a custos controlados com 550 fogos, no conjunto, em Vila Nova de Gaia e em Setúbal. “É importante fazer esta curva de aprendizagem, temos de construir para este segmento em que o custo da construção é tão relevante, e achamos que estamos particularmente preparados enquanto sociedade gestora. Assim, atualmente, cobrimos todo o espectro de gamas de preços, mas claro que o segmento mais alto tem maior elasticidade de preços. Seria importante desbloquear os segmentos médio e baixo, isso teria um impacto muito relevante no mercado”.

Fernando Vasco Costa, CEO da Vizta, concorda que “existem vários constrangimentos no que toca ao arrendamento, a começar pela falta de terrenos. O Estado tem de disponibilizar o seu património para urbanizar e licenciar planos de pormenor, sem esquecer a questão do estrangulamento do licenciamento”. Enquanto as condições não são ideais para o Build to Rent, “a oferta que temos acaba por se vender, até porque não encontra os mesmos obstáculos e o mercado está muito ativo. Mas sabemos que o arrendamento é fulcral para o mercado e essencial para a nossa sociedade funcionar. Vamos vendo algumas soluções, e esperamos que as novas medidas do Governo contribuam para isso, e estamos convictos de que podemos participar na solução”.

José Luís Cunha concorda que “o custo dos terrenos compromete tudo o resto e torna impossível fazer qualquer coisa, é preciso atuar ao nível dos terrenos públicos”. Apesar de se mostrar otimista com as novidades anunciadas para este segmento de mercado, como as isenções fiscais ou redução do IVA na construção, Francisco Sottomayor alerta que “a escala continua a ser um problema”.

“Olhar para o arrendamento como uma verdadeira alternativa de investimento”

As considerações finais desta conferência ficaram a cargo de Gonçalo Nascimento Rodrigues, consultor em Finanças Imobiliárias e coordenador da pós-graduação em Investimentos Imobiliários do ISCTE. Confessou que “este mercado não para de me surpreender. Após a tempestade veio a bonança, e agora estamos preparados para ir para o mercado. Continuamos a bater recordes consecutivos, e a habitação já é o principal património financeiro das famílias portuguesas”.

Defendeu “a diversidade de veículos de investimento no mercado. Temos de colocar as coisas em marcha, e olhar para o arrendamento como uma verdadeira alternativa de investimento. Temos grande capacidade de investimento e grandes necessidades de oferta, nomeadamente de arrendamento acessível, que tem procura garantida. Mas ainda falta muita coisa: precisamos de um conjunto alargado de soluções, nomeadamente de benefícios fiscais, mas é o custo do terreno que mais pesa. E por isso as PPP são absolutamente essenciais para ter habitação acessível no mercado. Temos de operacionalizar isto em tempo útil”.

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