Revista

Crescimento do turismo tem de ser em valor e através da qualidade

Os últimos anos têm sido de afirmação e consolidação para o turismo português. Não obstante, para continuar a garantir o crescimento sustentado do setor é preciso acelerar a resolução dos grandes desafios estruturais que o ameaçam ao mesmo tempo que reorientamos a sua estratégia, ancorando-a na construção de valor acrescentado e na qualificação do destino e dos seus visitantes.

Susana Correia 26 Agosto 2025

Esta é a principal ideia extraída no rescaldo do pequeno-almoço organizado pela Vida Imobiliária com o apoio da DILS e da Horwath HTL, e que no passado dia 1 de julho reuniu à mesa um restrito grupo de profissionais do setor para uma reflexão conjunta acerca dos caminhos para “Construir o turismo do futuro” em Portugal.

(foto capa: Pestana Porto Covo Beach Residences, cedida pelo Grupo Pestana)

De modo geral, “o mercado turístico está muito vivo e isso traduz-se nos números”, notou o CEO da DILS Portugal, Pedro Lancastre. Contudo, embora os resultados do setor tenham disparado no pós-pandemia, o ritmo de crescimento dos últimos quatro anos não é sustentável a prazo, alertou José Gil Duarte, Managing Partner da Horwath Portugal. “Embora haja uma tendência de continuidade, em 2025 o ritmo de crescimento já não é tão acentuado como antes”, afirma o especialista, notando que “até maio estamos com um aumento das receitas na ordem dos 7%”.

Tal como a retoma pós-covid foi muito mais rápida e intensa do que poderíamos antecipar, esse rápido crescimento também tem revezes”, acrescentou, Bernardo Trindade, presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal e administrador da PortoBay Hotels. Por isso, há que olhar para os números do setor e tentar perceber se se já terá atingido o pico máximo do crescimento em número de visitantes, pois o foco deve passar a ser o aumento da estada média. “Se conseguirmos passar dos atuais 2,51 dias para 3,51 dias de estadia média, isso teria um impacto brutal quer na operação quer nas perspetivas de investimento futuro dos nossos parceiros, pois permitiria aumentar exponencialmente o número de noites com a mesma afluência de visitantes”, explica o empresário.

Acessibilidade lidera as preocupações

Não obstante o seu sucesso, o turismo não está isento de (grandes) desafios e, como notou José Gil Duarte, “existem algumas nuvens no horizonte”, às quais urge responder o mais rapidamente possível.

A acessibilidade é um enorme constrangimento e um dos maiores desafios que enfrenta o turismo português”, e que embora comece pela infraestrutura aeroportuária, não se restringe a este, pois “a questão da ferrovia” também é fundamental, alerta o presidente da AHP. Chamando a atenção para o facto de o principal aeroporto nacional estar completamente estrangulado, sendo frequente que quem aterre em Lisboa enfrente uma fila de horas para entrar no país, Bernardo Trindade diz que este é um fator que já está a retirar competitividade ao nosso país, ainda para mais quando noutros destinos há um enorme investimento para reduzir tempos de espera. Lamentando que “o projeto do novo Aeroporto continue a parecer uma quimera, porque o impacto que gera é gigante”, o responsável diz que o arranque deste investimento tem de ser urgente e prioritário, pois “sabemos que este é um projeto que demora pelo menos dez anos a fazer e, é preciso lembrar que antes da infraestrutura aeroportuária propriamente dita é preciso desenvolver primeiro um enorme pacote de infraestruturas subsidiárias que não existem na atual localização. Sem esquecer que hoje não existe em Portugal a capacidade construtiva para fazer obras desta envergadura, nem juntando todas as maiores empresas nacionais”.

Entretanto, não é possível ignorar a crescente animosidade dos residentes contra o turismo, evidente sobretudo em algumas das zonas de maior pressão turística e urbanística, como a Madeira e Lisboa, reconhece o líder dos hoteleiros. Por isso, “devemos utilizar os recursos gerados pelo setor, nomeadamente os investimentos públicos realizados graças às taxas turísticas, como um instrumento para combater essa animosidade”, defende.

Partilhando esta visão, José Gil Duarte acrescenta outros dois desafios “chave” para o turismo português, e para os quais urge uma resposta: a dificuldade em atrair e reter recursos humanos, e, não menos importante, o da (falta) de gestão dos fluxos turísticos. “Embora já existam inúmeras soluções que nos permitem maximizar e otimizar a gestão dos fluxos turísticas em zonas mais pressionadas, assegurando previsibilidade e, assim, uma melhor distribuição das pessoas ao longo dos diferentes horários e dias das semanas, Portugal ainda está muito atrasado nesse campo”, reconhece.

José Gil Duarte, Managing Partner da Horwath Portugal
José Gil Duarte, Managing Partner da Horwath Portugal
Uma nova visão para Portugal

Olhando para o futuro, José Gil Duarte é perentório: “temos de ter a capacidade de repensar Portugal enquanto destino”. Partilhando esta perspetiva, João Rocha Neves, Cluster General Manager das Pousadas de Portugal, do Pestana Hotels Group, diz que “há um caminho sustentado para o turismo em Portugal, naturalmente com necessidades a nível de visão, de posicionamento estratégico e de construção de valor adicionado à experiência do destino”.

Entre os presentes, os presentes, é unânime a visão de que o sucesso futuro do setor tem de passar pela aposta na qualificação da oferta de alojamento e das experiências que lhe estão associadas. Até porque, “não queremos apenas mais visitantes, queremos, sim, visitantes mais qualificados”, como resumiu Paulo Carapuça, CEO da GJ Partners.

Embora se trate de um destino ainda em desenvolvimento, a Comporta preconiza esta visão, admite o CEO da Vanguard Properties, José Cardoso Botelho. Tomando como exemplo o caso do golfe, o responsável contou que ali “um golfista norte-americano consome em média 551 euros por dia, entre utilização do campo, serviços adjacentes e restauração, ao passo que os golfistas britânicos consomem em média perto de 300 euros e os portugueses cerca de 211 euros. Portanto, não interessa apenas o número de golfistas que nos procuram, mas também o gasto médio de cada público. E, neste caso, pode ser muito mais interessante o crescimento do mercado golfista norte-americano no nosso país”.

O poder da marca na promoção e valorização do destino

Não obstante a proximidade a Lisboa, em termos de projeção internacional a Comporta “ainda é um segredo bem guardado”, o que aporta desafios acrescidos no que respeita à atração de âncoras hoteleiras. “Em várias conversas que temos tido com operadores, notamos que há um certo receio de se ser a primeira marca a avançar com investimento”, fazendo com que este processo possa ser mais demorado, reconhece o CEO da Vanguard. No entanto, face ao avançar das “várias negociações em curso”, o responsável acredita que “até ao final do ano possamos ter fechado contrato com duas chancelas de luxo que se vão instalar na Comporta”, o que significará um importante impulso na promoção e afirmação do destino, pois “a vantagem de haver um hotel de uma grande marca já confirmado é que repente o público que conhece a existência daquela localização se multiplica de forma meteórica”.

Esse poder das marcas hoteleiras na promoção e posicionamento dos destinos torna-se ainda mais notório quanto mais alto é o segmento que se quer chegar. “Estamos a lançar o projeto do antigo hotel Oitavos, em Cascais, que é detido por um fundo do BTG. E, pela ligação do proprietário ao país, optámos por ir buscar uma das mais exclusivas marcas de luxo do Brasil, a Fasano, pois esse posicionamento vem chamar o público brasileiro, respondendo às suas aspirações, mas também um público internacional que está muito alinhado com o destino Cascais”, explicou Paulo Carapuça, CEO da GJ Partners.

Cada vez mais, a capacidade de atração da marca e do respetivo lifestyle associado também se faz sentir no imobiliário. “Existe um interesse crescente dos hoteleiros em investir numa tipologia de projeto que associe a componente imobiliária das branded residences a um hotel, pois isso ajuda bastante a diluir o investimento no hotel”, atesta José Cardoso Botelho”. Mas, frisa o especialista, “para estes investidores é essencial que existam coisas para fazer na envolvente, o que não se resume a restauração, como também desporto e cultura”, sendo que “depois da pandemia tem havido um certo despertar do golfe e do ténis”,

No caso da GJ Partners, “além dos Oitavos, em Cascais, temos outros dois projetos no Algarve que desenvolvemos em parceria com outros promotores, nomeadamente na Quinta do Lago, e onde já temos um branded residence”. No entanto, nota Paulo Carapuça, “as branded residences são um produto que têm não só um posicionamento de mercado como exigências de qualificação muito específicas. Pois, se queremos atrair visitantes mais qualificados, temos de lhes oferecer um produto de elevada qualidade”. A máxima atenção ao detalhe é algo que o promotor não poder perder de vista quanto atua no mercado de luxo, sendo por isso vantajosa a associação a uma marca que lhe confira um “selo” de reconhecimento, pois “estamos a falar de um nicho onde é comum os compradores contratarem equipas técnicas para fazer uma inspeção técnica prévia ao imóvel, para afirmar se está em conformidade com o speck book anunciado”.

Branded residences cada vez mais populares entre os promotores

Atualmente, o branded residence é um produto altamente apelativo. Desde logo pelo facto que o seu principal público-alvo é uma faixa etária com mais de 55 anos, que tem poder de compra para adquirir este tipo de casa e que muitas das vezes optam por comprar uma casa mais pequena do que aquela que tinham até aí, abdicando de área que já não precisam em detrimento de uma complementaridade de serviços e de experiências que passam a ter ao seu dispor naquele empreendimento. E, sem dúvida que a qualidade dos imóveis e das amenities que lhe estão associadas é algo absolutamente central” para um sucesso de um projeto deste tipo, advoga Paulo Carapuça.

Apesar de dinâmico e do seu enorme potencial, “ainda não agarrámos bem esse mercado”, considera o CEO da GJ Partners, frisando que “o fator de pressão dos aeroportos portugueses, quer em Lisboa quer em Faro, está a ser muito constrangedor, porque a questão do tempo é fundamental para os viajantes, sobretudo para um público mais velho”.

Embora tenha iniciado a sua incursão no turismo através da Lovely Stay, especializada na gestão de Alojamento Local, o Ando Living Group cedo percebeu “que havia um gap de oferta para um produto mais premium que atuasse entre a experiência hoteleira tradicional e a experiência de alojamento sem serviços. E, resolvemos conjugar as duas experiências através da Ando Living, que oferece experiência hoteleira a turistas que optam por ficar num apartamento turístico”, conta João Pita, Diretor de Investimentos Imobiliários da Optylon KREA, o braço imobiliário do grupo. “A qualidade da experiência compensa e traduz-se no resultado da operação”, afirma, revelando que hoje “temos uma estadia média mais longa que a da hotelaria tradicional, de quatro dias”, sendo o mercado europeu a sua principal fonte de visitantes.

Depois percebemos que havia também uma procura de investidores para este tipo de produto, parte dos quais quer usufruir de uma estadia no seu ativo ou similar durante parte do ano”, lembrou João Pita. A resposta não tardou, com o Ando Living Group a disponibilizar apartamentos turísticos premium em Lisboa, com uma rentabilidade mínima garantida por cinco anos e possibilidade de uso em períodos limitados, numa aposta de sucesso que está a captar um número crescente de investidores internacionais, provenientes sobretudo dos EUA e do Brasil.

De olhos postos no futuro, “vamos arrancar agora com o nosso primeiro projeto na Comporta, que irá vender unidades com exploração turística”, adianta o responsável. “O caminho da Ando Living é o da consolidação da marca, para a partir daí poder entrar naquele que é o verdadeiro mercado de branded residences, ancorado na localização do ativo e na notoriedade da marca, que não tem de ser necessariamente hoteleira” ressalva. “O puro branded residence pode ter ou não uma rentabilidade associada, mas vende sempre o lifestyle associado à marca”, conclui.

Hospitality é a estrela no mercado de investimento

Fruto do sucesso turístico de Portugal, e numa altura em que a Ibéria se mostra particularmente popular a nível global, “a hotelaria é um segmento estrela na indústria de investimento imobiliário”, diz Frederico Arruda, partner da Refundos Explorer. Pelas contas de Gonçalo Pontes, Head of Hospitality, Living and Natural Capital da DILS Portugal, “os hotéis terão representado cerca de 30% a 35% dos 1.350 milhões de euros transacionados em Portugal no 1º semestre, firmando-se como a principal classe de ativos. Estamos muito expectantes quanto a alguns dos negócios ativos no mercado, que deverão marcar novos recordes em termos de preços de venda no nosso país, de mais 750.000 euros por chave. E, se todos as operações que temos mapeadas se concretizassem este ano, poderíamos registar um volume de investimento em hotéis próximo dos 800 milhões de euros em 2025”, estima o especialista, embora avançando com uma projeção mais conservadora, para valores na ordem dos 400 milhões de euros.

Outra das tendências pós-Covid foi a maior procura liderada pelas marcas de luxo e de ultra-luxo por Portugal, especialmente por Lisboa, embora tenham encontrado alguns constrangimentos, nomeadamente o da falta de escala dos edifícios. Depois, temos também uma maior diversificação da procura, quer por operadores quer pelas fontes de capital, havendo vários asset managers, REITs, Socimis e SPCIs estrangeiros que não só já estão a investir no nosso país, como estão muito capitalizados e a fazer um novo caminho, investindo também em ativos mais urbanos, de midscale e midmarket”, revela Gonçalo Pontes. E, neste contexto, o cenário mais provável para os próximos meses é que “o preço por chave vai continuar a subir, tal como o interesse dos investidores; o que se traduz numa grande liquidez dos ativos”.

Nos últimos anos tem havido uma explosão de interesse dos investidores por Portugal e a procura movida pelo capital estrangeiro atesta-o”, concorda o Frederico Arruda. Consequentemente, “também temos um mercado cada vez mais concorrencial, a que se somam os desafios acrescidos do licenciamento e dos custos de construção, levando a que os investidores estejam mais exigentes e praticamente já só queiram comprar hotéis em operação ou projetos já licenciados ou em construção”, alerta o partner da Refundos Explorer.

Leia também nesta edição:
Lydia Las Casas B&W
Espaços exteriores híbridos como resposta às novas formas de habitar

Os modelos habitacionais emergentes — como são o Build-to-Rent (BTR) e as Branded Residences — fazem coexistir espaços privados e espaços comuns, representando em si, um desafio.Ler mais

República5
Do Hospitality ao living - novas formas de viajar e viver

Num mundo em que se vive uma transformação acelerada, a linha entre viver, trabalhar e viajar está a ficar cada vez mais difusa. Ler mais