A eficiência energética deve ser vista como «um grande trampolim para um futuro muito mais inteligente, eficiente e, sobretudo, mais habitável», afirmou Nelson Lage, presidente do Conselho de Administração da ADENE, na sessão "As novas Diretivas da Certificação Energética – O próximo nível!", no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa.
«A eficiência energética é, e deve continuar a ser, a pedra angular da revolução na construção e na reabilitação urbana. E a palavra revolução não é um exagero. Vivemos um ponto de viragem, com a Europa a dar um passo decisivo através da nova Diretiva Europeia sobre Eficiência Energética», enfatizou, acrescentando que «estamos já a viver um processo de transição muito interativo e complexo. Por isso, queremos receber contributos. Enviem-nos as vossas ideias e, por favor, façam chegar a vossa opinião». Portugal tem «todas as condições para ser líder nesta transição energética», enfatizou.
Falando sobre a transição, o que significa na prática? Para Nelson Lage, traduz-se em três pontos principais: «em primeiro lugar, que cada novo edifício deve ser altamente eficiente. Em segundo lugar, que as grandes renovações devem integrar sistemas inteligentes. E, por fim, que os edifícios existentes precisam de um roteiro claro para atingir padrões de excelência e elevada eficiência».
"Não podemos continuar a ver a eficiência energética como um luxo, um objetivo secundário ou algo aborrecido em que temos de investir"
Segundo o último relatório da ELPRE, «cerca de 70% dos edifícios em Portugal são energeticamente ineficientes, colocando milhares de famílias em risco de pobreza energética». Nelson Lage alerta que «a maior parte do nosso parque edificado não consegue garantir o conforto térmico adequado sem um elevado consumo de energia».
O presidente do Conselho de Administração da ADENE sublinhou que «temos de garantir que a transição energética seja realmente aquilo que todos queremos e defendemos a nível europeu e nacional: acessível a todos. Os edifícios não podem continuar a ser um fator de desigualdade; pelo contrário, devem tornar-se um motor de desenvolvimento sustentável». Para inverter esta realidade, defende que «cada edifício precisa de um roteiro claro de intervenção. Não podemos continuar a reabilitar sem um plano estruturado que garanta resultados reais em termos energéticos». A renovação destes edifícios para que alcancem os padrões de edifícios de zero emissões «não é apenas uma meta europeia, mas também uma necessidade urgente para melhorar a qualidade de vida e reduzir a dependência energética», reforça Nelson Lage.
"A eficiência energética não é uma tendência. A eficiência energética é, claramente, o nosso futuro"
No contexto da transição energética, Nelson Lage destaca o papel da tecnologia e da digitalização na modernização do setor da construção. «Num mundo cada vez mais digital, com a inteligência artificial na ordem do dia, o setor da construção não pode ficar para trás. Digitalização e automação são imperativos», sublinha. Um dos exemplos apontados é a metodologia BIM (Building Information Modeling), que, segundo o responsável, permite «transformar radicalmente a forma como projetamos, construímos e gerimos edifícios e infraestruturas, permitindo maior eficiência, precisão e sustentabilidade». Portugal precisa de «acelerar a adoção destas tecnologias, integrando inovação e eficiência, para construirmos juntos um futuro mais sustentável e resiliente», avançou o responsável.
Rui Fragoso, Diretor da Direção de Edifícios e Eficiência de Recursos da ADENE, fez um breve enquadramento sobre a nova diretiva europeia para a eficiência energética. «A ADENE está a apoiar o grupo de trabalho na fase de transição para a sua implementação e transmissão, tendo identificado 90 entidades. Grande parte delas já teve oportunidade de contribuir. Lanço o repto a todos os presentes para que também o possam fazer», reforçou.

As principais novidades referidas no evento por Rui Fragoso, da ADENE, sobre a nova diretiva europeia para a eficiência energética e o impacto na forma de construir e renovar edifícios em Portugal incluem o Plano Nacional de Renovação de Edifícios, a renovação progressiva do parque imobiliário, a energia solar nos edifícios, os edifícios com emissões nulas (ZEB), o passaporte renovação, a 3ª geração da nova certificação energética e o novo cálculo do potencial de aquecimento global dos edifícios.
Ainda antes da mesa-redonda de debate, Pedro Santos, Diretor Técnico da Reynaers Aluminium, reforçou a necessidade de um compromisso sério com a sustentabilidade. «Na Reynaers Aluminium, procuramos que a nossa pegada vá ao encontro de algo que seja palpável. Traçamos objetivos concretos», afirmou, sublinhando a meta de reduzir as emissões diretas em 46% e influenciar terceiros a atingir uma redução de 55%. Além disso, destacou a aposta na circularidade dos produtos como parte essencial desta estratégia.
Mesa-redonda de debate
A transição para uma economia de baixo carbono exige um compromisso conjunto entre setor financeiro, indústria e construção. Esta foi a principal mensagem da mesa-redonda, moderada por Manuel Duarte Pinheiro, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico –Universidade de Lisboa, que reuniu especialistas para debater os desafios e oportunidades da sustentabilidade no setor.
Filipa Carmona, Diretora da Direção de Suporte Corporativo da Caixa Geral de Depósitos (CGD), destacou o papel do financiamento nesta transição. «A sustentabilidade, no setor financeiro, está diretamente ligada ao financiamento. Para a CGD, significa apoiar a transição para uma economia de baixo carbono, promovendo financiamentos para projetos que integrem preocupações ambientais ao longo de todo o seu ciclo de vida».
A responsável sublinhou que a CGD já definiu um plano de transição para a neutralidade carbónica, incidindo sobre setores estratégicos. «Selecionámos setores críticos para a economia portuguesa: a produção de cimento, a produção de energia e as hipotecas comerciais. Este objetivo é alcançado através do envolvimento dos clientes». Além disso, explicou que o banco tem vindo a reforçar a exigência de critérios ambientais na concessão de crédito. «A cada novo financiamento, são analisados um número crescente de indicadores e dados. Atualmente, a avaliação dos imóveis é feita com um olhar cada vez mais detalhado».
O setor industrial tem um papel fundamental na redução da pegada ambiental, como destacou Rogério Ribeiro, CX & Technical Solutions Director da Saint-Gobain Portugal, «a indústria tem de dar uma grande resposta a este desafio». O responsável enfatizou que muitas empresas já adotaram estratégias sustentáveis e contam com profissionais dedicados exclusivamente a esta área, «mas é essencial olhar para dentro e melhorar os processos, nomeadamente no consumo de energia. Em Portugal, a Indústria 4.0 já é uma realidade, e muitas empresas estão a fazer grandes investimentos».
Vítor Vermelhudo, Coordenador do Departamento Técnico de Betão da SECIL, reforçou que a redução da pegada de carbono já é uma prioridade, sendo que «todas as indústrias estão já a trabalhar na redução da sua pegada de carbono, no sentido de baixarem o carbono que têm embutido nos seus produtos e soluções. No nosso caso, temos um roteiro definido para atingir a neutralidade carbónica». O responsável adiantou ainda que «estamos a produzir cimentos com cada vez menos clínquer, o que nos tem ajudado na diminuição de carbono que temos incorporado. No entanto, neste momento, ainda não temos um impacto do ponto de vista de custos na redução de carbono».
Por outro lado, Pedro Santos, Diretor Técnico da Reynaers Aluminium, referiu que «a diferença de custo entre ter uma solução com baixo carbono incorporado e uma solução absolutamente standard é inferior à escolha, por exemplo, do tratamento de superfície de certos materiais. Não se trata tanto de uma questão de custo, é mais uma questão de escolher aquilo que é o correto para aquela aplicação». O especialista alertou que «vê-se com muita frequência balanceamentos errados no edifício. É importante que as escolhas sejam tomadas em consciência e com o objetivo principal de olhar para aquilo que é o objetivo daquela escolha naquele edifício».
Manuel Collares Pereira, Scientific Advisor da Vanguard Properties, sublinhou que Portugal está bem posicionado na transição energética, dadas as suas condições naturais. «Temos enormes vantagens nesta matéria. Temos um clima bem temperado, ou seja, com menos recursos podemos fazer mais: temos uma abundância de renováveis, em particular a solar, o que significa que os edifícios podem atingir muito mais facilmente os objetivos das zero emissões». Neste sentido, alertou para a necessidade de adaptar as normativas europeias à realidade nacional. «Temos de transcrever as normas europeias tendo em conta as nossas condições. Temos condições especiais e as normas devem refletir essas condições». Apesar dos desafios, mostrou-se otimista, uma vez que «tudo parece muito complexo e difícil, mas o nosso ponto de partida é bastante positivo».